Autor: (w) Rebecca W. Erner

  • Alguém tem algo contra a esta união?

    Alguém tem algo contra a esta união?

    – Querida? Está quase na hora, vamos? – Disse Fatma, após bater e abrir a porta.

    – A Elis ainda está colocando as flores no meu cabelo… E estou terminando umas coisinhas pelo smartphone.

    – E o que ainda precisa terminar? – Perguntou-me.

    – Calma, estou apenas escrevendo alguns e-mails.

    – Você precisa parar de trabalhar… Até nesta noite está ai fazendo essas coisas? Estão todos te esperando lá embaixo. Está tão linda! Vamos, vamos que estão todos ansiosos.

    – Nos dê só mais um minuto, já estou terminando com as flores.- Adiantou-se Elis.

    Olhei-me no espelho, quase parecia humana com aquela maquiagem tão perfeita. O vestido gola alta, e mangas longas bordadas, um leve volume na saia. A delicadeza e elegância apresentavam-me totalmente diferente de quem já fui um dia. E naquela noite, era como se eu pudesse realmente sentir meu sangue quente outra vez, tamanha emoção e ansiedade. Passei pelo corredor, desci as escadas com calma e logo os vi me esperando.

    Enzo veio em minha direção, pegou minhas mãos, as beijou. Beijou minha testa e juntos fomos até Antoni, que nos olhava com aquele olhar fraterno de quem admirava seus filhos. Todos os nossos amigos estavam presentes e demonstravam alegria, mesmo diante a palidez de seus rostos. Então, Antoni começou a celebração, dizendo:

    – Queridos amigos e membros de nosso clã, estamos aqui, para anunciar à todos que Rebecca e Lorenzo se tornaram minhas crias legítimas, Lorenzo transformado por Rebecca em um de nós, e Rebecca transformada por meu irmão Thomas, os tornam de minha linhagem. Sendo, com isso, possivel eles deixarem de ser exilados e definitivamente estarem sob minha tutela e proteção. Além disso, esta noite se torna ainda mais especial, pois eu, como líder de nossa fraternidade abençoarei a ambos, conforme sua vontade manifestada de se darem um ao outro. Peço que nesse momento todos erguam suas mãos…

    E assim, Enzo e eu viviamos algo inimaginável para ambos. Libertos, sem precisarmos fugir dos regrados e como dizem os humanos, casados. Após toda a celebração, uma festa madrugada a fora instaurou-se animadamente. Dançamos e bebemos em meio à muitas conversas e brincadeiras. Mas claro, desde a celebração eu senti a falta do meu amigo, que deveria estar lá para nos apadrinhar junto com Lili.

    – Minha linda, nunca vi festa ou algo semelhante em nossos círculos, vocês aqui são realmente especiais. Parabéns por sua liberdade! Sei o quanto lutou por isso. – Disse Lilian, me dando um abraço apertado e nada delicado. – Você e Enzo estão lindos demaaais, eu amo vocês.

    – Nós também te amamos. Obrigada por estar aqui, sabe como sua presença é valiosa para mim. 

    – Eu sei… e escuta, ele não vem, pare de olhar para os cantos. Esquece isso amiga e aproveita sua festa. Você ficou bons anos sem aparecer ou ligar, quando entra em contato é pra um convite desses? É demais até pra ele. Eu quase cai para trás!! Então, imagina o quanto ele deve ter se irritado!

    Dei de ombros, mas ainda tinha esperanças, haviam coisas a serem ditas. Se o meu convite havia sido demais, como eu comunicaria nossa decisão sobre os rumos da história de agora em diante?

    – Testando, som!

    A música continuava tocando, mas então Antoni pegou o microfone, os instrumentos e a banda pararam e ele logo foi dizendo para abrirem espaço no centro da sala. Me chamou, e uma valsa começou a tocar lindamente. Madrinhas revesavam Enzo e os padrinhos tiveram seus minutos para me mostrar suas incríveis habilidades de dança. Novamente aos braços do noivo, nossos olhos se encontraram, sorrimos, nos beijamos e eu estava pensando em que momento eu havia me tornado a Rebecca noiva apaixonada, quando de repente reconheci um cheiro no ar. Meus olhos mudaram de cor quase que no mesmo instante e Enzo percebeu minha inquietação.

    – Poderia me dar a honra? – Ele disse ao se aproximar.

    – Claro, você também deve dançar a valsa dos padrinhos. – Disse Enzo cedendo seu lugar.

    Ferdinand tocou meus dedos até o anel que havia sido colocado horas atrás, olhou para mim, sorriu sarcástico e o outro braço, passou por minha cintura, ficando mais perto. Eu não consegui dizer nada, mas me sentia feliz com sua presença e ao mesmo tempo nervosa. Dançamos e então ele disse:

    – Precisamos conversar, mocinha.

    – Precisamos, mas por enquanto aproveite a festa. – Eu estaria com as bochechas coradas nesse momento, se pudesse.

    – Essa “fantasia” que vestiu, te deixou ainda mais bonita. Mas senti falta dos seus cabelos longos.

    – Gosto de mudar, e não estou fantasiada, mas obrigada. – Agradeci, pensando que tal agressividade não se justificava.

    Enzo voltou para concluirmos a valsa, em seguida, avisei a ele e Antoni que sairia por alguns instantes já que era madrugada. Fiz sinal para Ferdinand que naquele momento tinha ido cumprimentar a Lilian e fomos caminhar pelo jardim. Enquanto caminhávamos o silêncio se tornava pesado, eu tinha coisas à dizer mas não sabia por onde começar. Então, comecei do começo:

    – Olha Ferdinand, sei que você esperava um contato meu de outra maneira. Ou talvez não esperasse mais nada da minha parte em vista que ficamos tantos anos sem nos falar e você nunca me procurou. 

    – Na verdade eu não sei em que ponto nos distanciamos. Não sei o que eu fiz. – Ele respondeu. – Apenas focamos em outras coisas e seguimos nossos próprios caminhos.

    – Você tem razão. Mas tenho algo a lhe dizer, me senti descartada por você de certa forma. Como se eu só servisse para alimentar algum ego e do nada as coisas desandaram. Nosso erro, foi ter misturado e confundido quem éramos.

    – Você se refere ao que? – Ele perguntou de forma fria.

    – Me refiro a seu lado pirata.

    – Você se arrependeu do que passamos naquela fase?

    – Não, mas foi o que quebrou nossa amizade. Você era o irmão mais velho que eu não tive, mas tudo se tornou cada vez mais vazio, frio e distante. Percebi que nunca me senti realmente próxima, como sendo apenas uma peça de um jogo cheio de outras peças iguais que são largadas de lado no tabuleiro. Depois, algumas coisas chegaram aos meus ouvidos e fiquei confusa.

    Ele não disse nada, ouviu em silêncio e não notei nenhuma expressão para concluir algo. Então ele disse: 

    – Então, agora você tem seu próprio clã? O que vem depois?

    – Parece que sim. Depois vamos nos preparar para cuidar de tudo por aqui. Antoni está cansado e planeja hibernar, o que me deixa triste, mas aliviada por não precisar mais fugir dos regrados. Mas precisamos aprender muitas coisas… Ainda vai um tempo. Enzo é jovem, mas muito responsável e aprende rápido, já se adaptou a sua nova condição.

    – Entendi. E como tudo chegou até esse ponto? Eu queria realmente saber.

    – Antoni nos convidou para passarmos mais um tempo aqui em 2017. Na época a intenção dele era novamente me convencer a liderar ao lado dele. Mas ele percebeu que Enzo já ocupava um lugar importante e eu não aceitei sua proposta outra vez. Então, Enzo e eu fizemos algumas viagens, voltei para meus negócios, tive encrencas com a máfia por causa das empresas em plena pandemia, algumas quebraram, quase perdi todo meu patrimônio e descobrimos algumas coisas bem pesadas nesse meio que me fizeram ver tudo de maneira diferente. Precisei da ajuda do clã para me livrar de alguns regrados e desses malucos mafiosos. Então eu disse a Antoni em algum momento que não aguentava mais aquela vida de fugas e confusões, cheguei ao ponto de pensar em hibernar para sempre ou até de me entregar aos regrados. Mas ele não deixou e nos acolheu, foi onde se tornou um verdadeiro protetor e ele passou a nos ver como filhos.

    – Você poderia ter me pedido ajuda.

    – Será? Eu não senti que podia. Mas agora que as coisas já estão resolvidas eu queria ao menos que você soubesse.

    – Ok. Lamento e fico feliz por você, de verdade. E fico feliz por ter me procurado, apesar dos pesares.

    – Obrigada, eu acho. – Nesse momento rimos de forma contida e fiquei pensando que apesar de estranho não parecia que haviam tantos anos de distância e nem tanta mágoa entre nós.

    Continuamos a caminhada em silêncio. Eu guardava meus pensamentos. “Se eu queria que tudo tivesse sido de outra forma? Talvez. Em algum momento esperei mais? Talvez. Nem tudo acontece no tempo oportuno e com certeza existe uma razão oportuna.” Logo em seguida, vimos que todos saiam para fora, Enzo veio até mim e me puxou para ver fogos de artifício que estavam sendo lançados. Ao fundo, eu podia ouvir o som do mar, as risadas, conversas e o tilintar das taças. Num instante de distração, perdi Ferdinand de vista, quando me dei conta ele já havia ido embora outra vez.

  • A Carta: prévia do futuro livro “Erner”

    A Carta: prévia do futuro livro “Erner”

    Alguns meses depois e o conteúdo daquela carta ainda me intrigava. Nada estava explícito, mas, nas entrelinhas daquelas palavras vindas de uma época distante, eu poderia prever o que diziam. Em certas horas do dia, naqueles na qual consigo tirar um tempo para o descanso, algo que me tem sido raro, me vejo sobre as velhas lembranças que de tempos em tempos batem à porta.

    É fato que todo e qualquer vestígio sobre minha verdadeira origem, família e suas histórias, deveriam confortar meu coração de pedra, o coração que não bate e não sente… Será que não o sente? Tais descobertas deveriam sanar angustias vindas da busca pela verdade, e dúvidas como, quem eu era? De onde vim? Como eram aqueles que me deram a vida? Mas, à medida que tudo se tornava mais claro, um horror maior se revelava. À medida que buscava algum sentido, mas perdido tudo se encontrava.

    Percebo que todos esses questionamentos que perturbam minha mente, perturbam a qualquer um que já tenha sentido a necessidade de se conhecer melhor. Toda a confusão de sentimentos também, afinal, por que nos abandonaram ou por que nos tiraram de nossas famílias? É tolice achar que isso são coisas meramente humanas. É tolice achar que somos assim, tão superiores ao ponto de não nos importarmos com absolutamente nada. Mas, ao mesmo tempo, humano algum se deparou com certas situações, como nós, vampiros. O que posso afirmar, é que somos criaturas capazes de suportar muitas perdas, desilusões e tristezas, séculos a fora, porque aprendemos a vestir essa armadura. E ainda estamos aqui, buscando sobreviver a cada noite e buscando superar as adversidades, como se fossemos os mais afortunados da Terra. E no fim, o somos. Ao menos aos olhos meramente humanos…

    São muitos os momentos que me vejo refletindo sobre essas questões, mas aprendi com as surras da “vida” e da sobrevivência que nós vampiros somos como somos, por essa ser a nossa natureza. Transformamos-nos nisso, querendo ou não. Mas, essas palavras na carta, que tudo indica serem as palavras de minha mãe, e que agora transcrevo de uma forma mais clara me trouxeram uma humanidade que muitas vezes tento ignorar.

    ” März,1906…

    A ti escrevo com angústia. A ti escrevo para alertar sobre um mártir prestes a assombrar nossos destinos. Encontro-me de mãos atadas por minha própria injúria e fraqueza. Mas, tenho esperanças de que me sejas possivel salvar nossas almas condenadas pelo demônio. Um demônio tão terrível quanto o próprio Satanás. Digo-lhe, querido, que caí em uma armadilha e quase deixei meu amor verdadeiro por ti, se esvair como vento entre os dedos da mão. Deixei-me seduzir pela ilusão, nas entrelinhas de uma frieza crua e calculista, diante de uma face inexpressiva, como uma distância exaustiva. Um muro. Uma tranca sem chaves. Era como um delírio. Era como hipnose. Mas, finalmente acordei. E acordei pelo ser que carrego em meu ventre, e pelo amor que tenho a ti. Mas, a ti escrevo com angústia. Os olhos marejados de sangue, o corpo açoitado pela dor. Precisamos protegê-la, e livrar-lhe desse destino terrível. Peço-lhe que me perdoe, mesmo sabendo que esse é um pedido incabível, depois de todos os males que causei a vós.  Com grande pesar, Ass. Ely….”

  • Numa noite qualquer…

    Numa noite qualquer…

    Numa noite qualquer, daquelas que o tédio se sobressai, resolvi dar uma de minhas voltas sobre a luz da lua, e para não parecer poético demais, sobre a luz dos postes também… Era madrugada, e enquanto grande parte dos humanos se encontrava em sonos pesados lá estava eu, caçando confusão e bons pescocinhos para morder.

    A verdade é que me encontrava em uma daquelas fases “revolts” onde o desejo de arrancar a cabeça de alguém se torna mais forte. E sim, me sinto muuuuuito mais legal assim. Lorenzo que era um pouco devagar para me acompanhar, sabiamente preferiu ficar em casa. Naquela noite, não sai apenas para uma caminhada noturna. Eu queria fazer o mal. “-Mas Becky, você é uma vampira tão querida e gentil com todos, não acredito que faça maldades por ai.” Pois é, assim como muitos não acreditam em vampiros e nós estamos aqui! E… Não, meus queridinhos, vampiros não são bonzinhos, não brilham e não se alimentam de bichinhos na floresta. Essa piada já está velha, não está?E nós vampiras, nem de perto somos donzelas em perigo… Nós somos o perigo! (Imaginem minha risada sarcástica, enquanto escrevo isso!)

    Usava o habitual para a noite. Um vestido de veludo preto, botas over-the-knee e uma jaquetinha de couro bordô, a dica de usar vermelho para disfarçar o sangue é super válida! Meus cabelos soltos ao vento faziam movimentos em onda enquanto eu curtia um som da banda Oomph, Yes, my favorite band!. Dirigindo meu conversível novo em alta velocidade pelas amplas avenidas da cidade. Ao mesmo tempo, pensava em algumas questões, como sempre, meus pensamentos não param sequer um instante e viajam em ideias como um turbilhão. Mas, o momento não era propicio para isso e sim, eu deveria procurar me divertir um pouco, depois de tanto tempo cuidando de Lorenzo, de meus negócios e de problemas alheios nas quais eu não deveria me importar realmente.

    Parei o conversível em uma esquina qualquer, próximo a um dos meus lugares favoritos. Era noite de show, alguma banda cover pelo que percebi ao entrar. Havia uma grande quantidade de pessoas, no entanto, não havia sentido a presença de nenhum ser sobrenatural por lá. Enrolei, observando o lugar com uma bebida em mãos, que mal toquei nos lábios.

    – Quem será minha vitima esta noite… – falei baixinho.

    No entanto, acabei me misturando aos humanos que dançavam freneticamente, alguns podres de bêbados tinham o prazer de sentir o ardor de minha mordida discreta, seguida da tradicional “lambida” para cicatrização. Bem alimentada e após me divertir fazendo alguns humanos de marionetes, para treinar meus poderes de manipulação decidi que era hora de voltar. Mas eu não estava satisfeita… Ainda… Tudo estava muito tedioso de certa forma.

    Quando chegava onde havia estacionado meu carro, percebi uma movimentação estranha, uma mulher que provavelmente saia da festa, atravessava a rua caminhando apressada e logo quase correndo. Estava sendo seguida, ou melhor, perseguida por dois caras. Resolvi segui-los sorrateiramente para ver até onde tudo aquilo chegaria, essas situações parecem tão comuns em nosso caminho…  Destino? Acaso? Ou sempre atraímos confusão? Naquele momento eu desejava saber me transformar em névoa, ou mudar de forma, como Ferdinand, mas tinha meu “jeitinho” para não ser vista. Vi nos pensamentos dos caras, imagens obscenas, desejos sórdidos sobre aquela pobre coitada, que por que raios estavam na rua durante a madrugada, sozinha? As mulheres deveriam ter essa liberdade, mas não, elas não têm.  Mas, aquela era a minha chance de fazer o mal que tanto desejava para aquela noite, mesmo que ajudando uma senhorita em apuros.

    Os caras a encurralaram em uma esquina, jogando-a na escuridão de um beco, parecia até uma abordagem típica dos filmes. Fiquei assistindo eles tentando fazê-la ficar quieta, até deixá-los ouvir o barulho de meu salto naquela rua esburacada dos infernos, sabem bem como é andar de salto em um lugar desses, isso é difícil até para mim. Olharam para trás, viram apenas meu vulto desaparecer. Olharam para o lado, e sentiram o vento de minha passada rápida sobre suas costas. A mulher respirava ofegante, pensando em uma forma de escapar e ao mesmo tempo com medo do que estava acontecendo.  Esperei alguns segundos, quando os malditos se voltaram para a garota puxei os dois pela gola de suas camisas afastando-os e jogando-os em um monte de lixo.

    -Vá embora agora garota. A madrugada não é feita para moças indefesas… Vá!- Falei com os olhos cheios de malicia enquanto sem perder tempo, ela corria.

    Voltei-me para os caras ainda tontos, mas que se erguiam do chão:

    -Hey gostosões do bairro! Venham mexer com alguém da laia de vocês! – Falei me divertindo.

    Os caras investiram contra mim nervosos. Estufei o peito “como se ganhasse fôlego” e fui direto para o ataque, enquanto segurava um deles pelo pescoço preso à parede, mordia o outro até o sangue acabar em todo seu corpo. A beira de perder a consciência, aquele a quem segurava em minhas mãos, perdeu bons pedaços de seu corpo nojento, apenas pelo meu prazer de ver o sangue escorrer e, para poder lambê-lo em seguida. Não houve muito barulho, nem bagunça, só uma sujeirinha, na qual dei um jeito depois.  Mas, em certo ponto senti que perdia o controle e vi suas vidas se acabarem em minhas mãos de um jeito doentio. Passei alguns minutos observando meu feito, deixei-os ali, próximos as latas de lixo, virei às costas e voltei para casa sem olhar para trás….

    Numa outra noite qualquer…

    -Hey Becky, viu essa noticia? “Dois homens são brutalmente assassinados no bairro… Policia conclui que ação foi vingança do tráfico…”

    É, digamos que foi… Refleti sobre a palavra “vingança”. De quem? Do que, afinal?

  • Uma nova jornada: Parte Final – Presentes e Despedidas

    Uma nova jornada: Parte Final – Presentes e Despedidas

    -Está pronta, Becky?

    – Calma, falta só o batom!!!

    – Que demora em se arrumar!

    – Não faça cara feia, Loren… – Falei saindo do banheiro – Pronto, chato! Vamos?

    Antoni insistiu em fazer uma festa de despedida para nós. E confesso que estava ansiosa para voltar para minhas rotinas agitadas, sair do silêncio dos campos e voltar ao calor e agito urbano. Naquele mês, pude aproveitar muito minha estadia no clã, na qual fiz algumas amizades, adquiri aprendizados e me redescobri. Mas enfim, quando entramos no salão, todos nos receberam com entusiasmo. Foram algumas horas de boas músicas, conversas, risadas. Ao fim da festa eu e Lorenzo nos despedimos e nos recolhemos. Estava amanhecendo. Tudo já estava organizado para nossa partida, assim que anoitecesse novamente…

    – Lúcia, muito obrigada por cuidar de nós esse tempo que estivemos aqui. – Agradeci enquanto colocávamos as malas no carro.

    -Imagine minha querida, menina! – Disse aquela senhora de olhos brilhantes e meigos.

    Abracei Sophie que prometia me visitar em breve. Abracei Antoni que me puxando de canto disse-me reservadamente:

    – Espero que volte em breve. Quem sabe, para ficar…

    -Já conversamos sobre isso. – Respondi. – Quem sabe…

    – Tudo bem. Tudo há seu tempo! Tenho grande apreço por você e quero ajudá-la com Lorenzo. Hey! Quero lhe dar uma coisa que consegui um tempo atrás…Estava guardando para o momento certo.

    Era um pequeno envelope. Aceitei com gratidão sem noção do que se tratava. Tratei de abri-lo logo. Era algo que me pegou completamente de surpresa. Havia um retrato muito antigo e uma carta. Um pedaço totalmente desconhecido de minhas origens. Como ela era parecida comigo!

    – Que é ela, Antoni? – Perguntei curiosa.

    – É sua mãe, Becky. Sua mãe verdadeira. E a carta, é dela para alguém que não conseguimos identificar, me pareceu sem sentido. Leia quando tiver tempo, pode ser que descubra alguma coisa. Eu consegui isso com um amigo que me ajudava quando procurava por meu irmão e descobri o envolvimento dele com você. Foi uma das poucas informações que consegui sobre seu passado e de onde você veio. Mas, isso é mais importante para você do que para mim…

    Olhei por longos minutos para aquela imagem. Minha….Mãe… Abracei Antoni novamente sem saber o que dizer, podendo apenas agradecer e sabendo que a partir daquilo poderia encontrar mais pistas sobre minha família.

    – Obrigada! Não sei o que dizer… Enfim, vamos manter contato. Considero-lhes grandes amigos! E se eu descobrir algo, ficarei feliz em dividir a notícia com você.

    Ele sorriu. Um sorriso sincero. Fomos embora sabendo que teríamos uma longa viagem pela frente e logo minha rotina voltaria ao normal novamente. Já no avião, pensava no futuro e logo na transformação de Lorenzo, ele ainda tinha muito a aprender antes disso. Dormia abraçado a mim, eu olhava as estrelas e olhava o retrato daquela jovem tão parecida comigo. Que caminhos a levaram? Quais caminhos me levariam? Isso só o tempo poderia nos dizer. Em mim eu levava a certeza que no momento certo, todos nos veríamos outra vez. No entanto, aquele era o fim de mais uma de minhas jornadas…

  • Uma nova jornada – Parte XI: o treinamento de Lorenzo

    Uma nova jornada – Parte XI: o treinamento de Lorenzo

    -Eu estava sentindo muito a sua falta!

    Olhei-o com atenção. Estava enrolado sobre mim, cheirando meu cabelo.

    – Eu também senti a sua falta. – Falei olhando o nada. – Mas, acho que conseguimos matar um pouco a saudade…

    Levantamos. Arrumamos a bagunça que fizemos no quarto. Após um banho, estávamos prontos. Eu acompanharia o último treinamento de Lorenzo e estava ansiosa para verificar o que ele havia aprendido e o quanto havia evoluído. Ao sairmos, encontramos Sophie no caminho.

    – Eu estava indo buscar vocês. Então, hoje irá mostrar o que aprendeu à sua futura mestra?

    Lorenzo olhou-me esperançoso. Disfarçando tratei de dar uma de desentendida.

    – Vamos logo? Estou ansiosa, deixemos os assuntos burocráticos para outro momento Sophie.

    A noite seria longa e eu esperava poder aproveitar para ver o máximo que pudesse, esperando ser surpreendida.  Lorenzo mostrou habilidades em várias modalidades de luta corporal, certamente por isso estava mais forte do que a última vez que o vi. No entanto, em poucos dias o corpo de Lorenzo sofreu mudanças consideráveis, porém nada extremamente absurdo, pois ele já tinha uma boa massa corporal. Ao que tudo indica, mesmo que fosse apenas um Ghoul, permaneceria desenvolvendo e aperfeiçoando habilidades, tais como para correr, escalar, dar grandes saltos e outros.

    Com Sophie ele aprendeu o básico de inglês e alemão, o que com certeza lhe seria muito útil, mas que ele melhoraria comigo ao longo do tempo, e com certeza, aprenderia outros idiomas também. Aprendeu também alguns poucos feitiços, coisa básica que até alguns humanos conseguiriam fazer. Ainda era muito cedo para dizer quais dons e poderes Lorenzo desenvolveria além das habilidades normais, caso eu o transformasse em vampiro.  Cada treino havia sido breve e superficial devido ao tempo disponível, tanto por nós, quanto por alguns professores. Mas, quando o final da noite se aproximava, senti certo orgulho pelo esforço e empenho dele em me dar o seu melhor.

    Uma das últimas habilidades que mostrou ter aprendido eram com algumas armas de fogo. E nisso ele era realmente bom. Tinha uma percepção de distâncias e precisão incrível para acertar os alvos.

    -Becky, venha cá. Quer atirar? Quero que acerte naquele alvo. Está vendo aquele ponto minúsculo em vermelho? – Desafiou-me Lorenzo.

    – Humm vamos ver! – Respondi , indo em sua direção.- Por que não me ajuda?- Provoquei.

    Sophie observava divertindo-se, dei uma piscada para ela. Engatilhei a espingarda Calibre 12. Lorenzo encostou o corpo em minhas costas “ajudando” a me posicionar e a “segurar” a espingarda de maneira adequada, como se eu não soubesse… Senti seu cheiro e o calor de seu corpo. Pude ouvir sua respiração. Observei o alvo na mira. Lorenzo afastou o corpo. “Ahh, fica mais um pouco babe…”

    – Prontos? – Perguntei.

    O tiro preciso acertou o alvo em cheio. Respirei fundo distribuindo meu orgulho.

    – Tente novamente naquele lá. – Continuou.

    -Olha que vou acabar humilhando você… – Respondi.

    Lorenzo veio mais perto novamente. A espingarda não dava muito impulso, mas deixei o braço mais solto. Engatilhei, observei o alvo na mira e… Buum! Acertei novamente, claro.

    – Becky!!! Meu nariz. – Disse Lorenzo, com as mãos no rosto logo atrás de mim.

    Virei para trás já achando graça. Acertei uma cotovelada proposital em cheio em Lorenzo. Sophie caiu na gargalhada e Lorenzo meio rindo, meio reclamando resolveu acabar com os desafios.

  • Uma nova jornada – Parte X: todo sentimento é uma forma de amor?

    Uma nova jornada – Parte X: todo sentimento é uma forma de amor?

    “Pretendo descobrir

    No último momento

    Um tempo que refaz o que desfez

    Que recolhe todo sentimento

    E bota no corpo uma outra vez (…)

    (…)Prefiro, então, partir

    A tempo de poder

    A gente se desvencilhar da gente”

    “Rebecca”, “Lorenzo”, “Ah Ahmmmm…”

    Acordei devagar após um sonho bom.  Estiquei cada osso enrijecido ouvindo-os estralar. Passei as mãos do outro lado da cama e… Ninguém.

    – Olá. Descansou? Beba um pouco, mas vá devagar. – Disse Antoni quando cheguei à pequena cozinha da cabana.

    Assenti. Ah sim, a fome. Eu estava sem me alimentar há o que? Dez dias? Seria possivel? Tomei um copo de sangue com calma, degustando seu sabor e sentindo que até então tudo estava sobre controle. Após alguns minutos, senti algo queimar por dentro e uma forte náusea me atingiu.

    – Isso é normal? – Perguntei.

    – É sim. Por algumas horas. Deve se alimentar aos poucos, devagar… Mesmo naturais, é o efeito das substâncias que usamos no ritual. Além disso, foram bons dias em jejum.

    – Já vamos embora?

    Antoni me olhou de soslaio e assentiu. Arrumamos o necessário e partimos. Foram algumas horas de cavalgada e para espantar o tédio tentei observar e gravar o caminho. Pensava em quando veria meu “Loren” novamente enquanto todos seguiam em silêncio. “Queria que me ajudasse a cuidar de tudo isso aqui.” As palavras de Antoni, porém, também não saiam de minha cabeça. Seria esse meu lugar e meu real caminho?

    Como eu teria mais umas semanas para aprender coisas novas e conviver com aquele mundo um pouco diferente do que eu estava acostumada, decidi não pensar sobre o assunto e deixar as coisas acontecerem no seu tempo… Infelizmente, quando chegamos Antoni me orientou a não encontrar Lorenzo. Mas, enviei sangue suficiente para que ele pudesse beber, afinal era meu dependente. Acho que no fundo Antoni queria nos manter afastados o máximo possivel, o que me irritou, mas não me fez contestar o pedido.  Os dias e noites passaram devagar.  Passava horas do dia estudando sobre o clã, sobre procedimentos de magia, efeitos, poderes e fenômenos, energias espirituais e físicas, entre outros, na biblioteca, aprendendo seus métodos, inicialmente na teoria.

    Durante a noite, Antoni e eu realizávamos os rituais e outras práticas, além de treinos e exercícios de concentração.  Nem sempre tudo saía perfeito, mas as experiências sempre vinham com lições e conceitos importantes. Consegui aprimorar alguns detalhes nas minhas viagens astrais e dons de manipulação, sempre orientada a usá-los de maneira inteligente e quando o necessário.  Descobri que tinha um grande potencial para levitação, e para controlar meu corpo físico mesmo durante as viagens. Mas para conseguir tais feitos com perfeição, precisarei de décadas de treino! No entanto, em um dos exercícios, consegui movimentar um pouco um dos dedos das mãos, o que me encheu de entusiasmo e esperança…

    Alguém bate na porta. Eu já estava pronta para deitar e descansar um pouco.

    – Entre.- Falei.

    – Rebecca? – Era Antoni – Acho que tem alguém precisando falar com você…

    Vendo- o abrir o restante da porta, ergui o olhar, já entusiasmada. Lorenzo estava um pouco diferente. Mais forte, robusto, cheio de alegria com aquela timidez e olhar curiosos de sempre, porém muito mais seguros. Mas, sentiam minha falta. Abracei-o sentido seu cheiro doce já ativando meu desejo, não por seu sangue. Por ele.  Dei-lhe um beijo tímido quando senti um sobressalto. Parei. Olhei para Lorenzo que sorria com os olhos. Olhei para Antoni logo atrás, que esperava, disfarçando a tensão.  Enrijeci, uma pontinha de vergonha atingiu-me. Caminhei até Antoni.

    – Muito obrigada por trazê-lo, Antoni.

    Ele ergueu o olhar e sorriu com o canto dos lábios.

    – Podemos conversar apenas um instante em particular? Logo os deixarei matarem a saudade…

    Lorenzo fez sinal que esperaria. Antoni e eu fizemos uma pequena caminhada dentro do casarão. Alguns minutos em silêncio e finalmente ele falou:

    – Rebecca, são suas ultimas noites aqui. Foi muito bom ter sua companhia neste mês e poder lhe ensinar o pouco que sei. Eu realmente gostaria que ficasse, mas percebi que não posso lhe pedir isso.  Peço-lhe então que continue praticando, você tem um grande potencial.  Estarei aqui para o que precisar. Sempre.

    – Por favor, me chame de Becky. Eu lhe agradeço muito por esse mês aqui. Durante todos esses dias eu tive a oportunidade de me conhecer melhor. Deixar coisas para trás e buscar uma nova jornada. Descobri a leveza, harmonia, equilíbrio e o respeito com o que há em nosso redor. Levarei isso para sempre comigo, querido. Mas, descobri que ainda não encontrei meu lugar. Não encontrei onde meu coração frio está.  Quem sabe um dia eu descubra. – Falei e coloquei minha mão direita em seu peito.

    Segurando e acariciando minha mão, Antoni fechou os olhos por alguns instantes e me permitiu ver seus pensamentos. Lá pude ver o quão suas intenções eram sinceras. “Seu coração está onde está a sua felicidade. Vá e seja feliz. E um dia, se for seu destino. Volte. Eu estarei aqui.” Então, deixei-me levar por um sentimento momentâneo, porém intenso. Beijei Antoni sentindo um carinho estranho e não menos apaixonado. Foi apenas um beijo. Um carinho expressando gratidão. Um presente e talvez uma lembrança.

    Olhei-o em seus olhos. E o deixei, indo embora devagar. Ao voltar abracei Lorenzo com força. “Meu Lorenzo, ainda não me atrevo a lhe dizer. Mas, lá no fundo sei que o que sinto por você, é “mais” do que eu podia imaginar”.

  • Uma nova jornada – Parte IX: a sós com Antoni

    Uma nova jornada – Parte IX: a sós com Antoni

    Quando meu primeiro ritual chegou ao fim, percebi que as horas haviam passado como se fossem segundos. Todos ajudamos a organizar as coisas para o retorno, e nos cumprimentamos ao final.  Montamos nos cavalos, preparados para ir para “casa”, mas logo, percebi que estaria amanhecendo e preocupei-me.

    – Ficaremos em uma pequena vila aqui perto onde descansaremos e partiremos ao anoitecer. – Disse Antoni. O fato de ele ler meus pensamentos constantemente estava começando a me incomodar.

    Cavalgamos por cerca de vinte minutos e então chegamos à vila com algumas pequenas cabanas. Cada responsável se dirigiu com seus grupos de aprendizes para as instalações. Ajudei Antoni a levar os cavalos para um local onde ficassem aquecidos e em segurança. Em seguida, fomos até onde ficaríamos instalados e confesso, que estava ainda mais preocupada com a ideia de ficar sozinha com ele por um dia inteiro. A cabana tinha um aspecto aconchegante, lareira, cortinas, sofás com almofadas, uma pequena adega para vinhos…

    – Se desejar pode tomar um banho. No quarto há algumas coisas suas que pedi para Lúcia separar. – Disse Antoni, prestativo.

    Realmente estava precisando de um bom banho para acalmar os ânimos. Peguei o que precisava dentro de uma mochila no quarto, e fui para o banheiro trancando a porta. Sentindo a água quente sobre meu corpo, refleti por alguns minutos sobre ideias perturbadoras que invadiam minha mente. Após o banho, Antoni que estava lendo qualquer coisa sentado numa das poltronas, olhou-me de canto e franziu o cenho,  levantou e disse que tomaria um banho também. Deitei no sofá, exausta. Acordei apenas com o barulho da porta do banheiro sendo aberta, minutos depois. Acho que cochilei naquele meio tempo.  Sem dar atenção ao barulho, permaneci ali. Logo, senti a mão de Antoni sobre meus cabelos molhados, acordando-me. Abri os olhos e então sentei no sofá. Ele estava vestindo apenas uma calça de moletom cinza mescla. Observei-o enquanto ia se sentar na poltrona novamente. Afundei no sofá fazendo cara feia, o filho da p… tinha um corpo ainda mais bonito do que Thomas.  Lembrei de Lorenzo repentinamente. “Mas que droga.”

    – O que foi?- Perguntou ao ver minha expressão.

    – Nada. Estou cansada. – “Não posso falar sobre ele estar sem camisa, estou usando um baby doll nada decente” – Pensei.

    Risos.

    – Está rindo de mim, Antoni? – Perguntei. “Leu meus pensamentos de novo?”

    – Estou. Desculpe, acho que estou sendo inconveniente.

    – Está mesmo.

    – Estou? – Perguntou provocando-me. – Precisamos conversar Rebecca, sobre coisas sérias.

    Perguntei sobre o que ele queria conversar, e obviamente era sobre o ritual e como eu estava me sentindo.  Porém, acabamos engatando uma conversa que me distraiu por um tempo, do clima tenso anterior, e então comecei a me sentir mais a vontade, descobrindo algumas afinidades com alguém que foi se mostrando atencioso e curioso, mas… Com intenções que eram deixadas no ar sempre que possivel. Em certo momento, Antoni tocou em um assunto que me deixou sensibilizada, falando sobre coisas pessoais suas, deixando algumas de suas fraquezas transparecerem.  Mas, eu estava realmente cansada e receosa de que ele pudesse investir contra mim, sem saber qual seria minha reação diante disso. Agradeci pela conversa, por me ouvir e por falar. Antes de ir para o quarto, dei-lhe um abraço fraternal. “Você é diferente dele, não me decepcione.” Pensei.  Mas, ele queria mais. Ainda abraçado a mim, disse em meu ouvido:

    – Não vá dormir ainda. Sei que está cansada. Mas, queria sua companhia por mais tempo.

    – Desculpe. Mas, é melhor assim.

    -Por quê? Você está pensando no humano?

    – Ele se chama Lorenzo. – Retruquei – Sim, estou pensando nele. Mas,também penso em você…

    -É? Mas, gosta dele?

    – Não sei Antoni. Olha, obrigada por esses dias aqui e pelo o que tem me ensinado. Você seria um ótimo mestre. Mas, tem sido um ótimo amigo também!

    – Eu gostaria de ser mais do que um mestre ou um amigo para você, Rebecca. – Falou segurando minhas mãos. – Queria que me ajudasse a cuidar de tudo isso aqui. Mas, não se preocupe. Não quero que pense nisso agora e não quero estragar a amizade que estamos começando a construir. Além disso, ainda tenho muito a lhe ensinar antes desse mês acabar.

    – Tudo bem. Peço apenas que me respeite e ficará tudo certo. Eu preciso mesmo de descanso, desculpe. – Falei indo para o quarto.

    – Tudo bem, descanse e ao anoitecer voltaremos para a fazenda.

    Deitei na cama, abraçando os travesseiros.  E confesso que todo o sono evaporou. A insônia que me atingiu fazia meus pensamentos irem longe e causarem uma confusão interna. Será que gosto de Lorenzo? Será que quero ficar com Antoni?  Será que quero ficar aqui? O que eu quero afinal? Eu sabia que não deveria ter vindo…

    Depois de longos minutos entreguei-me a um sono sem sonhos, perturbada com tantas dúvidas e sentimentos confusos que surgiam.

  • Uma nova jornada – Parte VIII: rituais e uma viagem no tempo

    Uma nova jornada – Parte VIII: rituais e uma viagem no tempo

    “-Rebecca… Quero que guarde essa sensação com você. Essa energia pode ser muito maior…”

    Sentei sobre o tapete no chão, em posição de lótus. Sentia que aqueles sete dias de isolamento haviam trazido novamente momentos difíceis à tona, lembranças de um passado trancada em um velho porão, ou entre as paredes escuras de um casarão longe da sociedade, na época em que eu julgava que deveriam ter sido os melhores da minha juventude. Eu sabia que em poucas horas, Antoni viria me buscar e logo aquelas terríveis sensações de medo, tédio e loucura passariam.

    Tentei criar a sensação de estar respirando fundo, concentrando minha mente em meus objetivos, sentindo meu corpo e minha alma em tamanha concentração, capaz de fazer-me entrar em transe. Estava definitivamente me sentindo mais calma e preparada para os próximos passos. O jejum que inicialmente me irritava, havia sido suficiente para purificar meu corpo, tornando-me sensitiva a tudo que houvesse ao meu redor, transcendendo a mim mesmo.

    Alguém abre a porta. Abro os olhos devagar. “Antoni”. “Sim, minha querida, está na hora de irmos.” “Finalmente.” Levantei, conduzida por ele, pois embora o jejum houvesse trazido efeitos positivos, também havia me enfraquecido, tentei afastar sua semelhança com Thomas. “Não, você é muito diferente. Ele podia ter sido como você…” Chegamos até o jardim, e eu mal lembrava o caminho que havíamos percorrido até lá. Senti a grama gelada em meus pés também frios, olhei para um céu com poucas estrelas. Com ajuda subi no cavalo que estava preparado para nós e na garupa de Antoni cavalgamos por um tempo que não pude determinar. Havia mais pessoas conosco, mas não lembrava de nenhum daqueles rostos.

    – Rebecca, devo dar-lhe os meus parabéns. Muitos não suportaram o que você suportou. Sei que foi difícil, mas você está aqui. Se leu as instruções, sabe como serão os próximos procedimentos. Está pronta?

    -Apesar de estar me sentindo estranha, estou pronta sim.

    Eu estava apenas com uma túnica branca que vesti antes de sair do isolamento. O cabelo preso em um rabo de cavalo, o mais natural possivel, sem minhas unhas habitualmente pintadas de vermelho, sem maquiagem ou nem sequer um batom.  Deixando minha vaidade de lado por alguns instantes. Todos fizeram um grande circulo, de mãos dadas.  Antoni dizia calmamente algumas palavras que mentalizávamos. Depois em coro, proferimos uma espécie de oração ao universo. Aquele era o primeiro ritual na qual eu participava.

    Antoni pegou um pequeno jarro de barro, que lhe foi entregue junto a uma tigela rasa. Despejou um liquido naquela tigela, falando baixo uma mistura de palavras indecifráveis.  Em seguida, falou em voz em alta:

    – Vejam, este é o sangue de nossa aliança. Aquele que bebe deste sangue, afirmará seu destino. O sangue derramado, vindo de sacrifícios daqueles que lutaram por nosso clã.

    E então, caminhando até um a um todos bebiam daquele liquido. Antoni parou a minha frente. Olhei- o fixamente, sem saber se deveria continuar com aquilo. Beber daquele liquido poderia confundir as coisas.

    – Não se preocupe. Beba. – Falou.

    Peguei a tigela junto as suas mãos, hesitante. Bebi. Não era sangue de humanos. Era sangue de animal, usado apenas para compor a mistura. Junto ao sangue havia uma composição de ervas naturais que adormeceram meus lábios, junto a um leve ardor. Em poucos minutos, eu me sentia ainda mais estranha. Não vi mais nada e ninguém ao meu redor. Deitada sobre a grama molhada, um céu colorido caia sobre meus olhos e me levava para longe. Fazendo-me lembrar tudo o que havia escondido bem no fundo de minha memória, como um filme. Momentos bons e ruins, as fantasias de minha infância, os medos noturnos, os cheiros, as músicas, as descobertas, a perda das pessoas que amei, a ilusão que foi a minha vida, as mentiras, as decepções, as torturas, uma mistura desenfreada de tudo.

    Deixei o vento me embalar, as folhas me cobrirem, perdendo-me sobre a terra molhada sentindo estar em outro lugar, um lugar onde eu pudesse me reinventar, e deixar o passado para trás, para aceitar “viver” uma nova jornada.

    Quando todo aquele efeito passou, percebi que estava em pé, parada no mesmo lugar. Antoni prosseguia levando o líquido aos demais. Permaneci ali, voltando de minha pequena viagem, entendendo o que havia acontecido e me sentindo leve, convicta de que não havia nada na qual me culpar, “o mundo está melhor sem ele”.

    – Eu estou muito melhor sem você, Thomas. – Falei baixinho e sorri para Antoni, que me retribuiu o sorriso demonstrando satisfação e um certo carinho, enquanto continuávamos os rituais.

  • Uma nova jornada – Parte VII: o isolamento e a insanidade

    Uma nova jornada – Parte VII: o isolamento e a insanidade

    Ao fechar a porta do quarto senti o silêncio invadir minha alma. Eram apenas sete dias. Só sete dias. Eram longos sete dias, e noites…  Olhei ao redor.  No quarto havia algumas janelas trancadas por cadeados.  Um detalhe antes despercebido. Tudo era muito confortável e iluminado, ao menos. Havia uma cama grande com cobertores macios e travesseiros altos, como eu gosto.  Um armário com minhas coisas. Sem celular, internet ou algo do tipo. Uma mesa na lateral. Uma cadeira. Uma poltrona. Na mesa alguns livros, canetas, lápis e folhas de papel, o que eu precisava para me manter ocupada por um tempo. Olhei o banheiro com mais atenção. Chuveiro grande, uma banheira, sais de banho, toalhas macias e muitos espelhos. Fechei a porta do banheiro.

    Olhei o quarto novamente e percebi que ao lado da cama havia algumas folhas impressas. Sim, as instruções. Sete dias… Bufei e revirei os olhos ao lembrar isso.  Mas, por enquanto, eu tinha o que fazer. Ler. Sim, ler as instruções.

    “Conforme o determinado e de acordo com o procedimento padrão de nosso clã, seguem as instruções e observações julgadas como essenciais para o ritual de purificação e iniciação na qual o iniciante deve se comprometer a seguir os ensinamentos e conduta a ele transmitida. Após um conhecimento aprofundado a cerca do histórico, métodos e objetivos do clã. O iniciante deverá passar por rituais e processos de preparação que o auxiliará a usar seus dons e poderes de acordo com os fundamentos e objetivos do clã. Parte desse processo consiste em um isolamento do iniciante, que pode variar de 7 (sete) à 10 (dez) dias e noites consecutivos, na qual o objetivo se dá no afastamento de intervenções externas, a fim de que o iniciante aprofunde-se em si mesmo. Juntamente com o Jejum que auxilia a conexão do individuo com as energias e…”

    Pulo algumas páginas, tentando me concentrar na parte burocrática e no blá,blá, blá da coisa. Leio mais alguns trechos com algumas instruções e percebo que definitivamente já estou entediada. As horas passaram e me distrai com alguns livros. Refleti sobre assuntos pessoais, lembrei-me de momentos com Lorenzo, da última conversa com Antoni na sacada, lembrei do vislumbre que a vista de lá me trouxe e da sensação de paz. Lembrei-me de Ferdinand também claro, como esquecê-lo? Meu amigo. Guardando esses pensamentos comigo, entreguei-me aos travesseiros, na cama, abraçando-os com força e, então peguei no sono, deveria estar amanhecendo lá fora, calculei.

    “-Hey minha pequena, Rebecca. Venha cá, senhorita.

    Relutei por alguns instantes, mas se eu não fosse certamente ele me buscaria. O que seria ainda pior. Ao me aproximar, ouvi o tilintar do gelo em seu copo de whisky, percebi seus pequenos olhos negros seguindo cada movimento meu. Seu olhar brilhava sordidamente, um olhar que revelava seus pensamentos e planos mais obscuros e insanos.

    -Sente-se… Aqui. – Falou usando as mãos para dar tapinhas leves nas próprias pernas.

    Tal ordem me fez engolir seco. Obedeci com repugnância e ao mesmo tempo curiosidade. Sentei em seu colo olhando para o chão e trêmula senti suas mãos roçarem minha nuca. Calafrios. Seguido de seu nariz, que desenhava círculos em meu pescoço.

    – Rebecca. És tão… Deliciosa. Olhe para mim. – Falou fazendo-me carícias e puxando-me pelo queixo.

    Pensei alguns segundos e então o encarei. Seus olhos negros, pequenos e brilhantes. Observei seus lábios entreabertos e me aproximando dei-lhe um beijo sem jeito e desengonçado. Um beijo retribuído com força. Suas mãos me apertavam e me faziam arquejar. Então, suas mãos apertaram meu pescoço, erguendo-me. Arrastou-me e jogou-me contra a parede, de costas.

    – Boa garota, sempre voraz ao final, agora terás o que merece. – Falou enquanto afrouxava o cinto.”

    Acordei sobressaltada. Acho que meu sonho havia virado pesadelo. Ele nunca sairá de meus pensamentos. Maldito Erner.  Levantei pensando em algo para passar o tempo. Enchi a banheira e fiquei algumas horas de molho, relaxei e quase adormeci de novo. Havia mais cinco dias e noites para passar aqui. Suspirei desanimada…

    Dia/Noite 3: “Já li dois livros. Fiquei três horas na banheira, de novo. Li um pouco das instruções. Nas instruções diz para meditar. Eu costumo fazer isso sempre. Mas aqui, assim não tem graça. O silêncio é irritante. Faz tanto tempo que não sinto o silêncio com tanta intensidade. Quero sair daqui. Mas tenho que aguentar, só mais… Quatro dias… Vou tentar meditar, é o que resta.”

    Dia/Noite 4: “Meditei tanto que quase fui parar em outra dimensão. Será que isso é possivel? Acho que sim, talvez. Caramba, quanta fome! Nunca fiquei tanto tempo sem me alimentar. A fome me deixa irritada. Merda, porque diabos eu concordei com isso?”

    Dia/Noite 5: “Tédio. Já li todas as instruções, todos os livros, rabisquei todas as folhas, quebrei todos os lápis. Contei todos os pequenos desenhos do papel de parede. Não tomei banho, estou um trapo. Enrolada nos cobertores, por cima de todos os travesseiros. Com o roupão preto. Encaro o teto por horas. Preciso sair daqui. Desse quarto. Desse isolamento. Dessa insanidade que começa a me atingir. Acho que vou dormir novamente.”

    Dia/Noite 6: “Amanhã vou sair daqui. Falta pouco. Só mais hoje. Amanhã vou sair daqui. Fome. Que ódio.Vou tomar um banho e ficar mais apresentável para quando Erner, digo, Antoni chegar. Por que são tão parecidos fisicamente? Porque são gêmeos, idiota! Eram gêmeos. Você matou Erner, não lembra?”

    Olhei-me no espelho. Vi minha beleza refletida. Eu matei Erner. Aquilo fazia tanto tempo. O mundo estava tão bem sem ele. A chuveirada que tomei alguns instantes atrás havia sido renovadora. Mas, senti que mais alguns dias dentro daquele quarto , em jejum, e eu começaria a ficar louca. Mais do que eu já estava me sentindo.

    “Amanhã. É amanhã. Amanhã vou sair daqui.” Pensei.

  • Uma nova jornada – Parte VI: novas experiências

    Uma nova jornada – Parte VI: novas experiências

    – Becky você irá me matar desse jeito!

    – Só se for de prazer, dear. Novas experiências devem ser sempre bem-vindas…

    Naquele momento, eu não podia evitar o sorriso e o desejo que transpareciam em meu rosto. E, afastando a sede pelo sangue de Lorenzo lembrei-me que após aquela noite, demoraríamos um tempo para ter momentos juntos e íntimos novamente.  Após aquela típica festa de fim de ano, eu já havia passado pelos primeiros processos e soube que meu pequeno treinamento seria semelhante ao de um iniciante para que eu pudesse vivenciar todas as etapas com maior aprofundamento. Antoni me acompanharia, para dar suporte quando necessário. Tive algumas aulas teóricas, conhecendo um pouco da história e métodos do clã. Fiz alguns testes básicos na qual me destaquei e fui avisada de que a partir de então, algumas fases poderiam se tornar mais difíceis, pois testariam meus limites, para aflorar meus poderes e instintos.

    – Vou sentir sua falta – Disse Lorenzo ofegante, interrompendo meus pensamentos. – Você realmente precisa desse… “isolamento”?

    – Parece que sim. – Falei desanimada ao lembrar esse detalhe – Mas, serão só alguns dias, querido.  Estive pensando. Você não sente falta de sua vida, digo antes disso tudo?

    – Às vezes sim, às vezes não. Era uma vida vazia. Estou contente por estar com você… Antoni tem uma aparência atraente, não acha? – Falou mudando repentinamente de assunto.

    – Sua aparência às vezes me deixa encabulada, na realidade. – Por um instante parei – Lorenzo, Antoni lhe atrai?

    – Atrairia se fosse um tempo atrás. E a você? Ele atrai?

    – Aonde quer chegar com isso? Como falei, fico apenas encabulada. Você deve saber o motivo…

    Felizmente, Lorenzo não insistiu no assunto, afinal, isso não era da conta dele. Um tempo depois, a senhorinha de olhos cor de mel ajudou-me a organizar o novo quarto na qual eu ficaria. Este em um local mais afastado dos outros aposentos. E durante nossas conversas ela revelou chamar-se por Lúcia. Havia sido uma serviçal de confiança para Antoni, durante décadas. Mas, com a idade ficou com a saúde debilitada e então, foi transformada. Imaginei que ela deveria ser muito importante para ele, e me sensibilizei com sua história. Durante todo o dia, descansei, li algumas instruções que me haviam sido deixadas, e mais alguns livros. Mais tarde, tomei um longo banho e enquanto me preparava alguém bateu na porta.

    -Posso entrar?

    Era Antoni.

    – Claro, fique a vontade. – Falei enrolando-me em um roupão de seda.

    Sentando- se ao meu lado, parecendo ignorar minhas condições pós-banho, comunicou-me que enquanto eu estivesse em meu treinamento, enviaria alguns professores e Ghouls de confiança para algumas atividades com Lorenzo. Aulas básicas de luta corporal, e até de alguns pequenos feitiços, caso ele mostrasse potencial.

    – Isso é ótimo. O manterá ocupado e menos entediado… Bom, o que faremos a partir de agora? – Aproveitei para perguntar.

    – Primeiro gostaria de lhe levar a um lugar. Vamos? – Falou esperançoso.

    – É… Tudo bem. Irei apenas me vestir, digamos, adequadamente. – Falei duvidosa.

    – Não há necessidade. É aqui perto… – Falou pegando minha mão já me conduzindo, sem me dar tempo para falar algo.

    Toda aquela pressa me deixou receosa. Mas, ainda não havia conhecido o lado “informal” e jovial de Antoni…  Assemelhando-se a um garoto ao me levar por algumas escadas até a parte mais alta do casarão.  Fazendo-me até rir em alguns momentos por tamanha empolgação. Ao chegarmos, ele abriu uma porta que dava acesso a uma grande sacada. Parei por alguns instantes, vislumbrada. Era uma paisagem e tanto. O céu escuro destacava suas estrelas. A lua, imponente, iluminava toda a fazenda. Era possivel ver as montanhas cobertas por gelo e toda a propriedade. Ouvir as vozes das pessoas conversando e os animais ao longe. Ficamos em silêncio por longos minutos, nunca havia sentido tamanha paz desde que… Enfim, fazia muito tempo. Olhei para Antoni que me esperava sair daquele momento de devaneio e vislumbre.

    – Eu costumo vir aqui sempre que tenho algo importante no que pensar ou para qual me preparar. – Disse ele, tranquilo – Sinta a energia que todo esse ambiente é capaz de lhe proporcionar, não é renovador?

    – É sim! – Falei voltando a admirar a vista.

    – Rebecca… Quero que guarde essa sensação com você. Essa energia pode ser muito maior. Mas antes, você precisará passar pelo isolamento, o que não é algo fácil. Já iniciou o jejum? – Perguntou-me.

    -Bom, na verdade estou sem me alimentar de verdade, desde que chegamos. Mas, meu problema não é esse.

    – Então, faz quase uma semana? Qual o problema?

    – Uhum – Falei preocupada – Não é tanto tempo assim, mas não quero chegar ao ponto de perder o controle. Isso é necessário Antoni? Digo, o isolamento?

    -Você não chegará a esse ponto. Mas, o jejum e o isolamento são importantes sim, para o primeiro ritual que participará conosco. Estude as instruções que lhe deixei. E lembre-se, estarei ao seu lado. Fique tranquila. – Falou aproximando-se.

    – Obrigada. Estudarei sim e, acho que ficarei bem. – Falei desviando o olhar.

    Antoni parou por alguns instantes, talvez pensando nas palavras certas. Mas sabiamente, resolveu deixar tudo como estava. Senti a brisa tocar meu rosto e ao guardar aquela sensação comigo, resolvi que era hora de me recolher, afinal não havia tempo a perder. Agradeci a Antoni novamente, e deixando-o voltei ao meu quarto para algo que lá no fundo ainda me apavorava… O isolamento.

  • Uma nova jornada – Parte V: ano novo

    Uma nova jornada – Parte V: ano novo

    – Com Licença. – Falei ao chegar, batendo à porta.

    Antoni estava em um escritório, que logo mais soube ser seu. Logo, espantei parte dos pensamentos que brotavam em minha mente ao reparar como era incrível sua semelhança com Thomas. Falava no telefone calmamente, mas fazia anotações de maneira muito rápida em um pequeno bloco de notas.  Olhou para mim, sorriu e tratou de desligar o telefone assim que pôde, fazendo sinal para que eu entrasse.

    – Sente-se.  – Falou amigavelmente, entrelaçou os dedos e me disse sem rodeios: – Você poderá ficar instalada no mesmo quarto com Lorenzo nessas primeiras noites, mas logo precisará ter seu próprio quarto.

    – Como? – Perguntei, duvidando do que havia escutado.

    – É uma instrução importante. Fará parte do procedimento. Não me leve a mal, isso é para segurança do pobre garoto.

    – Bom, nesse caso…

    – Veja bem Rebecca, preciso que confie em mim. Peço apenas isso.

    – É um pouco complicado para mim. Quero que me garanta que se eu desejar ir embora, tudo estará disponível o mais rápido possível para nós.

    Por um instante, pensei tê-lo ofendido. Mas, tendo sua compreensão ao julgar meus motivos, ele concordou. Após uns quarenta minutos de conversa, grande parte das instruções e dúvidas estavam esclarecidas, mas ainda não havia sido detalhado como seria de fato o meu “treinamento”. Resolvi dar tempo ao tempo e antes de me retirar da sala, Antoni segurou-me pelas mãos, chamando-me de volta, seu olhar intenso encontrou o meu por alguns segundos:

    – Rebecca, haverá uma confraternização entre todos essa noite, devido ao ano novo.  Será no salão principal, Lorenzo e você estão convidados. Gostaria de apresentá-los, por isso é importante que venham. Usem branco, aqui essa tradição não é apenas para os humanos…

    Obviamente aceitei o convite. A confraternização teria um clima mais social então, Lorenzo vestiu calça e paletó cinza claro, junto a um suéter e camisa brancos, devido ao frio que fazia para ele. Eu usei um vestido bordado, com um grande decote nas costas, o que me deixou de certa forma, sensual. Essas roupas estavam a nossa espera no quarto, já que eu jamais imaginaria um evento nesse sentido. Nunca comemorei essas datas após ser vampira e Antoni previu isso.  Quando chegamos, alguns olhares voltaram-se para nós e imaginei que eram por sermos figuras diferentes por lá, ou por meu batom vermelho e cabelos longos escuros em contraste com aquele look Off-White,  ou cor de nada, que me deixava mais pálida que o natural.

    Antoni nos apresentou a outros bruxos-vampiros, a alguns apenas bruxos, ou apenas vampiros, havia alguns lobos e também conselheiros e sub-lideres, já que ele era o “poderoso-chefão”. Senti-me admirada pela mistura e harmonia entre tantos seres diferentes no mesmo espaço. Sophie também estava lá e veio me cumprimentar, se desculpar e por alguns minutos falou freneticamente sem parar. Em alguns momentos, Lorenzo parecia perdido e espantado, mas fiquei ao seu lado o tempo todo.  A festa estava interessante e agradável.

    – Rebecca, uma dança? – Disse Antoni alegre, estendendo uma das mãos, como se ainda estivéssemos no século passado.

    Olhei para Sophie e Lorenzo, com uma expressão mais preocupada do que o previsto.

    -Vá querida! Aproveite. Eu cuido de Lorenzo! – Disse-me Sophie calmamente, e entusiasmada.

    Antoni usava uma calça social cinza claro, junto a uma camisa de linho entreaberta, parecendo despojado. O cabelo bagunçado, o nariz fino, os traços suavizados… Passou um dos braços por minha cintura e conduziu-me no ritmo da música alegre típica da década de 60, “Time of The Season “ dos “The Zombies”, a música em seu ritmo sensual e ao mesmo tempo divertido, instigou-nos a uma dança com direito a flertes por meio de olhares, que me deixaram sem jeito. Em certo momento, Antoni chegou mais perto para falar algo enquanto íamos de um lado a outro, junto a uns poucos que mais nos olhavam do que dançavam:

    – Como está se sentindo?- Perguntou-me.

    – Estou bem. Preocupo-me com Lorenzo. Ele parece perdido e assustado. Acho que logo vamos voltar para o quarto. Há muitos vampiros novos por aqui?

    – Há sim, mas eles ficam do outro lado das instalações e estão acostumados, há muitos humanos por aqui. Fique tranquila.  – E olhando-me sério, por alguns instantes, disse: – Você está linda…

    Agradeci o elogio me sentindo envergonhada, e quando voltamos, Sophie me disse que Lorenzo havia ido ao banheiro. Claro, ele tem necessidades, pensei. Mas, logo percebi que demorava em retornar e tal demora me tirou do sério. Resolvi ir procurá-lo arrependida de tê-lo deixado.

    – Lorenzo, o que está fazendo ai? – Exclamei ao encontrá-lo do lado de fora do salão.

    – Desculpe, ficou preocupada? Vim tomar um ar.

    -Não se afaste de mim… Isso é para sua segurança. – Falei ríspida. – Está pensando nessa loucura toda? Estou vendo o que pergunta a si mesmo…

    – Eu nunca me acostumo com o fato de que pode ler meus pensamentos. Mas, se sabe o que eu quero, por que nem ao menos demonstra alguma possibilidade? – Pergunta-me Lorenzo.

    – Por que não há possibilidade. – Respondi.

    – Então, o que posso fazer?

    – Eu ainda não sei Loren, querido…

    Pobre Lorenzo. Naquele momento, eu não soube o que dizer. Não estava preparada para transformá-lo em minha cria, mas ele esperava um posicionamento meu.  O pior de tudo, é que ele era o primeiro a quem eu desejava transformar. Buscando deixar aquele clima de lado, ouvindo ao longe uma das minhas músicas preferidas tocando, meu humor muda repentinamente e, puxei Lorenzo já animada.

    Era hora de dançar e flertar com meu humano preferido, enquanto fogos de artifício iluminavam o céu e se juntavam à lua e as estrelas!

  • Uma nova jornada – Parte IV: a viagem

    Uma nova jornada – Parte IV: a viagem

    Fomos recepcionados pessoalmente por Antoni, que foi nos buscar no aeroporto na qual aterrissamos com meu jato particular. Devido à diferença de horários, me arrependi de não ter saído mais cedo para poder chegar com tranquilidade depois da viagem. Ainda teríamos alguns quilômetros de viagem pela frente, e eu ainda estava receosa com a presença de um ser tão semelhante a Thomas… O clã ficava em uma cidade no interior dos Estados Unidos, uma região montanhosa e fria para Lorenzo. Logo que chegamos, observei que aquele não era o mesmo local que eu havia conhecido anteriormente, era uma fazenda em uma grande propriedade, e antes de exclamar qualquer coisa, Antoni foi logo explicando:

    – Aquela é uma de nossas sedes na cidade, digamos assim. Alguns vampiros-bruxos mais experientes ficam por lá. Aqui é um local onde temos mais contato com um meio natural, os iniciantes ficam instalados aqui, pois é onde conectamos melhor nossas energias, podendo contemplar a natureza em um todo.

    – Compreendo. Antoni me diga sinceramente, o que pretende me convidando para passar esses tempos por aqui?

    Ele olhou-me como se pensasse “Jura que você não entendeu ainda?”, mas eu havia entendido muito bem. Queria apenas ouvir diretamente. Sua expressão aliviou-se, então ele explicou:

    – Eu sei que você precisa dessa vivência. Quero ajudá-la de alguma forma. Você herdou alguns poderes de Thomas que ainda desconhece. És muito jovem ainda. Além disso, se adaptar-se tenho esperanças que faça parte de nosso clã.

    Naquele momento, meu pensamento foi direto a Ferdinand “… só espero que não resolva ficar por lá definitivamente.” Expressando dúvidas, resolvi mudar o foco:

    – Mas, se herdei os poderes de Thomas, eu não deveria fazer parte do outro clã? Sei que eles me consideram uma inimiga, mas eu me encaixaria aqui?

    – Nossos dons e poderes são muito semelhantes, pois, como lhe já contei, nossos clãs agiam em conjunto séculos atrás, a diferença é como e de que forma absorvemos essas energias e para quê as usamos atualmente. Mas, enfim, é cedo para abordamos tudo isso. Irei mostrar onde ficarão instalados. Vocês precisam descansar.

    Dormi durante quase todo aquele dia. Ao acordar, eu e Lorenzo organizamos nossas coisas. Até que alguém bateu na porta de nosso quarto.

    – Com licença – Disse uma pequena senhora de olhos cor de mel e cabelos curtos ondulados – Trouxe uma refeição para seu amigo. Senhora, Antoni precisa conversar com você em particular.

    – Obrigada e… Não precisa me chamar de senhora, por favor. – Olhei para ela e sem uma explicação aparente, senti certa afeição por aquela pequena senhorinha. Ela servia Lorenzo, enquanto saí.