Tag: Experiências

  • Uma nova jornada – Parte X: todo sentimento é uma forma de amor?

    Uma nova jornada – Parte X: todo sentimento é uma forma de amor?

    “Pretendo descobrir

    No último momento

    Um tempo que refaz o que desfez

    Que recolhe todo sentimento

    E bota no corpo uma outra vez (…)

    (…)Prefiro, então, partir

    A tempo de poder

    A gente se desvencilhar da gente”

    “Rebecca”, “Lorenzo”, “Ah Ahmmmm…”

    Acordei devagar após um sonho bom.  Estiquei cada osso enrijecido ouvindo-os estralar. Passei as mãos do outro lado da cama e… Ninguém.

    – Olá. Descansou? Beba um pouco, mas vá devagar. – Disse Antoni quando cheguei à pequena cozinha da cabana.

    Assenti. Ah sim, a fome. Eu estava sem me alimentar há o que? Dez dias? Seria possivel? Tomei um copo de sangue com calma, degustando seu sabor e sentindo que até então tudo estava sobre controle. Após alguns minutos, senti algo queimar por dentro e uma forte náusea me atingiu.

    – Isso é normal? – Perguntei.

    – É sim. Por algumas horas. Deve se alimentar aos poucos, devagar… Mesmo naturais, é o efeito das substâncias que usamos no ritual. Além disso, foram bons dias em jejum.

    – Já vamos embora?

    Antoni me olhou de soslaio e assentiu. Arrumamos o necessário e partimos. Foram algumas horas de cavalgada e para espantar o tédio tentei observar e gravar o caminho. Pensava em quando veria meu “Loren” novamente enquanto todos seguiam em silêncio. “Queria que me ajudasse a cuidar de tudo isso aqui.” As palavras de Antoni, porém, também não saiam de minha cabeça. Seria esse meu lugar e meu real caminho?

    Como eu teria mais umas semanas para aprender coisas novas e conviver com aquele mundo um pouco diferente do que eu estava acostumada, decidi não pensar sobre o assunto e deixar as coisas acontecerem no seu tempo… Infelizmente, quando chegamos Antoni me orientou a não encontrar Lorenzo. Mas, enviei sangue suficiente para que ele pudesse beber, afinal era meu dependente. Acho que no fundo Antoni queria nos manter afastados o máximo possivel, o que me irritou, mas não me fez contestar o pedido.  Os dias e noites passaram devagar.  Passava horas do dia estudando sobre o clã, sobre procedimentos de magia, efeitos, poderes e fenômenos, energias espirituais e físicas, entre outros, na biblioteca, aprendendo seus métodos, inicialmente na teoria.

    Durante a noite, Antoni e eu realizávamos os rituais e outras práticas, além de treinos e exercícios de concentração.  Nem sempre tudo saía perfeito, mas as experiências sempre vinham com lições e conceitos importantes. Consegui aprimorar alguns detalhes nas minhas viagens astrais e dons de manipulação, sempre orientada a usá-los de maneira inteligente e quando o necessário.  Descobri que tinha um grande potencial para levitação, e para controlar meu corpo físico mesmo durante as viagens. Mas para conseguir tais feitos com perfeição, precisarei de décadas de treino! No entanto, em um dos exercícios, consegui movimentar um pouco um dos dedos das mãos, o que me encheu de entusiasmo e esperança…

    Alguém bate na porta. Eu já estava pronta para deitar e descansar um pouco.

    – Entre.- Falei.

    – Rebecca? – Era Antoni – Acho que tem alguém precisando falar com você…

    Vendo- o abrir o restante da porta, ergui o olhar, já entusiasmada. Lorenzo estava um pouco diferente. Mais forte, robusto, cheio de alegria com aquela timidez e olhar curiosos de sempre, porém muito mais seguros. Mas, sentiam minha falta. Abracei-o sentido seu cheiro doce já ativando meu desejo, não por seu sangue. Por ele.  Dei-lhe um beijo tímido quando senti um sobressalto. Parei. Olhei para Lorenzo que sorria com os olhos. Olhei para Antoni logo atrás, que esperava, disfarçando a tensão.  Enrijeci, uma pontinha de vergonha atingiu-me. Caminhei até Antoni.

    – Muito obrigada por trazê-lo, Antoni.

    Ele ergueu o olhar e sorriu com o canto dos lábios.

    – Podemos conversar apenas um instante em particular? Logo os deixarei matarem a saudade…

    Lorenzo fez sinal que esperaria. Antoni e eu fizemos uma pequena caminhada dentro do casarão. Alguns minutos em silêncio e finalmente ele falou:

    – Rebecca, são suas ultimas noites aqui. Foi muito bom ter sua companhia neste mês e poder lhe ensinar o pouco que sei. Eu realmente gostaria que ficasse, mas percebi que não posso lhe pedir isso.  Peço-lhe então que continue praticando, você tem um grande potencial.  Estarei aqui para o que precisar. Sempre.

    – Por favor, me chame de Becky. Eu lhe agradeço muito por esse mês aqui. Durante todos esses dias eu tive a oportunidade de me conhecer melhor. Deixar coisas para trás e buscar uma nova jornada. Descobri a leveza, harmonia, equilíbrio e o respeito com o que há em nosso redor. Levarei isso para sempre comigo, querido. Mas, descobri que ainda não encontrei meu lugar. Não encontrei onde meu coração frio está.  Quem sabe um dia eu descubra. – Falei e coloquei minha mão direita em seu peito.

    Segurando e acariciando minha mão, Antoni fechou os olhos por alguns instantes e me permitiu ver seus pensamentos. Lá pude ver o quão suas intenções eram sinceras. “Seu coração está onde está a sua felicidade. Vá e seja feliz. E um dia, se for seu destino. Volte. Eu estarei aqui.” Então, deixei-me levar por um sentimento momentâneo, porém intenso. Beijei Antoni sentindo um carinho estranho e não menos apaixonado. Foi apenas um beijo. Um carinho expressando gratidão. Um presente e talvez uma lembrança.

    Olhei-o em seus olhos. E o deixei, indo embora devagar. Ao voltar abracei Lorenzo com força. “Meu Lorenzo, ainda não me atrevo a lhe dizer. Mas, lá no fundo sei que o que sinto por você, é “mais” do que eu podia imaginar”.

  • Uma nova jornada – Parte VII: o isolamento e a insanidade

    Uma nova jornada – Parte VII: o isolamento e a insanidade

    Ao fechar a porta do quarto senti o silêncio invadir minha alma. Eram apenas sete dias. Só sete dias. Eram longos sete dias, e noites…  Olhei ao redor.  No quarto havia algumas janelas trancadas por cadeados.  Um detalhe antes despercebido. Tudo era muito confortável e iluminado, ao menos. Havia uma cama grande com cobertores macios e travesseiros altos, como eu gosto.  Um armário com minhas coisas. Sem celular, internet ou algo do tipo. Uma mesa na lateral. Uma cadeira. Uma poltrona. Na mesa alguns livros, canetas, lápis e folhas de papel, o que eu precisava para me manter ocupada por um tempo. Olhei o banheiro com mais atenção. Chuveiro grande, uma banheira, sais de banho, toalhas macias e muitos espelhos. Fechei a porta do banheiro.

    Olhei o quarto novamente e percebi que ao lado da cama havia algumas folhas impressas. Sim, as instruções. Sete dias… Bufei e revirei os olhos ao lembrar isso.  Mas, por enquanto, eu tinha o que fazer. Ler. Sim, ler as instruções.

    “Conforme o determinado e de acordo com o procedimento padrão de nosso clã, seguem as instruções e observações julgadas como essenciais para o ritual de purificação e iniciação na qual o iniciante deve se comprometer a seguir os ensinamentos e conduta a ele transmitida. Após um conhecimento aprofundado a cerca do histórico, métodos e objetivos do clã. O iniciante deverá passar por rituais e processos de preparação que o auxiliará a usar seus dons e poderes de acordo com os fundamentos e objetivos do clã. Parte desse processo consiste em um isolamento do iniciante, que pode variar de 7 (sete) à 10 (dez) dias e noites consecutivos, na qual o objetivo se dá no afastamento de intervenções externas, a fim de que o iniciante aprofunde-se em si mesmo. Juntamente com o Jejum que auxilia a conexão do individuo com as energias e…”

    Pulo algumas páginas, tentando me concentrar na parte burocrática e no blá,blá, blá da coisa. Leio mais alguns trechos com algumas instruções e percebo que definitivamente já estou entediada. As horas passaram e me distrai com alguns livros. Refleti sobre assuntos pessoais, lembrei-me de momentos com Lorenzo, da última conversa com Antoni na sacada, lembrei do vislumbre que a vista de lá me trouxe e da sensação de paz. Lembrei-me de Ferdinand também claro, como esquecê-lo? Meu amigo. Guardando esses pensamentos comigo, entreguei-me aos travesseiros, na cama, abraçando-os com força e, então peguei no sono, deveria estar amanhecendo lá fora, calculei.

    “-Hey minha pequena, Rebecca. Venha cá, senhorita.

    Relutei por alguns instantes, mas se eu não fosse certamente ele me buscaria. O que seria ainda pior. Ao me aproximar, ouvi o tilintar do gelo em seu copo de whisky, percebi seus pequenos olhos negros seguindo cada movimento meu. Seu olhar brilhava sordidamente, um olhar que revelava seus pensamentos e planos mais obscuros e insanos.

    -Sente-se… Aqui. – Falou usando as mãos para dar tapinhas leves nas próprias pernas.

    Tal ordem me fez engolir seco. Obedeci com repugnância e ao mesmo tempo curiosidade. Sentei em seu colo olhando para o chão e trêmula senti suas mãos roçarem minha nuca. Calafrios. Seguido de seu nariz, que desenhava círculos em meu pescoço.

    – Rebecca. És tão… Deliciosa. Olhe para mim. – Falou fazendo-me carícias e puxando-me pelo queixo.

    Pensei alguns segundos e então o encarei. Seus olhos negros, pequenos e brilhantes. Observei seus lábios entreabertos e me aproximando dei-lhe um beijo sem jeito e desengonçado. Um beijo retribuído com força. Suas mãos me apertavam e me faziam arquejar. Então, suas mãos apertaram meu pescoço, erguendo-me. Arrastou-me e jogou-me contra a parede, de costas.

    – Boa garota, sempre voraz ao final, agora terás o que merece. – Falou enquanto afrouxava o cinto.”

    Acordei sobressaltada. Acho que meu sonho havia virado pesadelo. Ele nunca sairá de meus pensamentos. Maldito Erner.  Levantei pensando em algo para passar o tempo. Enchi a banheira e fiquei algumas horas de molho, relaxei e quase adormeci de novo. Havia mais cinco dias e noites para passar aqui. Suspirei desanimada…

    Dia/Noite 3: “Já li dois livros. Fiquei três horas na banheira, de novo. Li um pouco das instruções. Nas instruções diz para meditar. Eu costumo fazer isso sempre. Mas aqui, assim não tem graça. O silêncio é irritante. Faz tanto tempo que não sinto o silêncio com tanta intensidade. Quero sair daqui. Mas tenho que aguentar, só mais… Quatro dias… Vou tentar meditar, é o que resta.”

    Dia/Noite 4: “Meditei tanto que quase fui parar em outra dimensão. Será que isso é possivel? Acho que sim, talvez. Caramba, quanta fome! Nunca fiquei tanto tempo sem me alimentar. A fome me deixa irritada. Merda, porque diabos eu concordei com isso?”

    Dia/Noite 5: “Tédio. Já li todas as instruções, todos os livros, rabisquei todas as folhas, quebrei todos os lápis. Contei todos os pequenos desenhos do papel de parede. Não tomei banho, estou um trapo. Enrolada nos cobertores, por cima de todos os travesseiros. Com o roupão preto. Encaro o teto por horas. Preciso sair daqui. Desse quarto. Desse isolamento. Dessa insanidade que começa a me atingir. Acho que vou dormir novamente.”

    Dia/Noite 6: “Amanhã vou sair daqui. Falta pouco. Só mais hoje. Amanhã vou sair daqui. Fome. Que ódio.Vou tomar um banho e ficar mais apresentável para quando Erner, digo, Antoni chegar. Por que são tão parecidos fisicamente? Porque são gêmeos, idiota! Eram gêmeos. Você matou Erner, não lembra?”

    Olhei-me no espelho. Vi minha beleza refletida. Eu matei Erner. Aquilo fazia tanto tempo. O mundo estava tão bem sem ele. A chuveirada que tomei alguns instantes atrás havia sido renovadora. Mas, senti que mais alguns dias dentro daquele quarto , em jejum, e eu começaria a ficar louca. Mais do que eu já estava me sentindo.

    “Amanhã. É amanhã. Amanhã vou sair daqui.” Pensei.

  • Uma nova jornada – Parte VI: novas experiências

    Uma nova jornada – Parte VI: novas experiências

    – Becky você irá me matar desse jeito!

    – Só se for de prazer, dear. Novas experiências devem ser sempre bem-vindas…

    Naquele momento, eu não podia evitar o sorriso e o desejo que transpareciam em meu rosto. E, afastando a sede pelo sangue de Lorenzo lembrei-me que após aquela noite, demoraríamos um tempo para ter momentos juntos e íntimos novamente.  Após aquela típica festa de fim de ano, eu já havia passado pelos primeiros processos e soube que meu pequeno treinamento seria semelhante ao de um iniciante para que eu pudesse vivenciar todas as etapas com maior aprofundamento. Antoni me acompanharia, para dar suporte quando necessário. Tive algumas aulas teóricas, conhecendo um pouco da história e métodos do clã. Fiz alguns testes básicos na qual me destaquei e fui avisada de que a partir de então, algumas fases poderiam se tornar mais difíceis, pois testariam meus limites, para aflorar meus poderes e instintos.

    – Vou sentir sua falta – Disse Lorenzo ofegante, interrompendo meus pensamentos. – Você realmente precisa desse… “isolamento”?

    – Parece que sim. – Falei desanimada ao lembrar esse detalhe – Mas, serão só alguns dias, querido.  Estive pensando. Você não sente falta de sua vida, digo antes disso tudo?

    – Às vezes sim, às vezes não. Era uma vida vazia. Estou contente por estar com você… Antoni tem uma aparência atraente, não acha? – Falou mudando repentinamente de assunto.

    – Sua aparência às vezes me deixa encabulada, na realidade. – Por um instante parei – Lorenzo, Antoni lhe atrai?

    – Atrairia se fosse um tempo atrás. E a você? Ele atrai?

    – Aonde quer chegar com isso? Como falei, fico apenas encabulada. Você deve saber o motivo…

    Felizmente, Lorenzo não insistiu no assunto, afinal, isso não era da conta dele. Um tempo depois, a senhorinha de olhos cor de mel ajudou-me a organizar o novo quarto na qual eu ficaria. Este em um local mais afastado dos outros aposentos. E durante nossas conversas ela revelou chamar-se por Lúcia. Havia sido uma serviçal de confiança para Antoni, durante décadas. Mas, com a idade ficou com a saúde debilitada e então, foi transformada. Imaginei que ela deveria ser muito importante para ele, e me sensibilizei com sua história. Durante todo o dia, descansei, li algumas instruções que me haviam sido deixadas, e mais alguns livros. Mais tarde, tomei um longo banho e enquanto me preparava alguém bateu na porta.

    -Posso entrar?

    Era Antoni.

    – Claro, fique a vontade. – Falei enrolando-me em um roupão de seda.

    Sentando- se ao meu lado, parecendo ignorar minhas condições pós-banho, comunicou-me que enquanto eu estivesse em meu treinamento, enviaria alguns professores e Ghouls de confiança para algumas atividades com Lorenzo. Aulas básicas de luta corporal, e até de alguns pequenos feitiços, caso ele mostrasse potencial.

    – Isso é ótimo. O manterá ocupado e menos entediado… Bom, o que faremos a partir de agora? – Aproveitei para perguntar.

    – Primeiro gostaria de lhe levar a um lugar. Vamos? – Falou esperançoso.

    – É… Tudo bem. Irei apenas me vestir, digamos, adequadamente. – Falei duvidosa.

    – Não há necessidade. É aqui perto… – Falou pegando minha mão já me conduzindo, sem me dar tempo para falar algo.

    Toda aquela pressa me deixou receosa. Mas, ainda não havia conhecido o lado “informal” e jovial de Antoni…  Assemelhando-se a um garoto ao me levar por algumas escadas até a parte mais alta do casarão.  Fazendo-me até rir em alguns momentos por tamanha empolgação. Ao chegarmos, ele abriu uma porta que dava acesso a uma grande sacada. Parei por alguns instantes, vislumbrada. Era uma paisagem e tanto. O céu escuro destacava suas estrelas. A lua, imponente, iluminava toda a fazenda. Era possivel ver as montanhas cobertas por gelo e toda a propriedade. Ouvir as vozes das pessoas conversando e os animais ao longe. Ficamos em silêncio por longos minutos, nunca havia sentido tamanha paz desde que… Enfim, fazia muito tempo. Olhei para Antoni que me esperava sair daquele momento de devaneio e vislumbre.

    – Eu costumo vir aqui sempre que tenho algo importante no que pensar ou para qual me preparar. – Disse ele, tranquilo – Sinta a energia que todo esse ambiente é capaz de lhe proporcionar, não é renovador?

    – É sim! – Falei voltando a admirar a vista.

    – Rebecca… Quero que guarde essa sensação com você. Essa energia pode ser muito maior. Mas antes, você precisará passar pelo isolamento, o que não é algo fácil. Já iniciou o jejum? – Perguntou-me.

    -Bom, na verdade estou sem me alimentar de verdade, desde que chegamos. Mas, meu problema não é esse.

    – Então, faz quase uma semana? Qual o problema?

    – Uhum – Falei preocupada – Não é tanto tempo assim, mas não quero chegar ao ponto de perder o controle. Isso é necessário Antoni? Digo, o isolamento?

    -Você não chegará a esse ponto. Mas, o jejum e o isolamento são importantes sim, para o primeiro ritual que participará conosco. Estude as instruções que lhe deixei. E lembre-se, estarei ao seu lado. Fique tranquila. – Falou aproximando-se.

    – Obrigada. Estudarei sim e, acho que ficarei bem. – Falei desviando o olhar.

    Antoni parou por alguns instantes, talvez pensando nas palavras certas. Mas sabiamente, resolveu deixar tudo como estava. Senti a brisa tocar meu rosto e ao guardar aquela sensação comigo, resolvi que era hora de me recolher, afinal não havia tempo a perder. Agradeci a Antoni novamente, e deixando-o voltei ao meu quarto para algo que lá no fundo ainda me apavorava… O isolamento.

  • Uma nova jornada – Parte III: a primeira vez de Becky

    Uma nova jornada – Parte III: a primeira vez de Becky

    Após a minha conversa com o Fê, entrei em contato com Antoni. Nos falamos pela primeira vez após a França e marcamos a data na qual Lorenzo e eu faríamos nossa viagem. Antoni empolgado, explicou-me que eu deveria passar ao menos um mês junto a eles para que pudesse conhecer boa parte dos métodos de seu clã. Um mês passaria rápido, mas era um tempo que me pareceu longo, visto que eu teria que adiantar muitos negócios em minhas empresas, para poder me desligar totalmente de tudo. Questionei-o sobre o fato de Lorenzo ser um humano, e isso não pareceu um problema para Antoni que se prontificou a recebê-lo de qualquer maneira. Confesso que nas noites que antecederam a viagem, já com os preparativos sendo encaminhados, tentei controlar a ansiedade e o desejo de desistir. Mas, muitas vezes, Lorenzo me incentivava e renovava meus ânimos, “Eu estarei lá com você, Beckynha…”

    Na véspera da viagem, saímos para fazer algumas compras logo que anoiteceu. Lorenzo precisava de algumas roupas de inverno, e ajudá-lo com isso, me distrairia. Na volta, brincávamos no carro enquanto o motorista que eu havia contratado dirigia discretamente. Pela primeira vez em décadas, resolvi contratar alguns funcionários fixos para questões pessoais. O motorista era um homem alto, moreno e de poucas palavras, que dirigiria para mim, apenas durante a noite. Planejava contratar uma funcionária para cuidar do meu novo apartamento, e para me acompanhar nos locais onde eu estivesse, por período integral, mas ela certamente teria que se tornar uma Ghoul também, por tanto, eu não havia decidido nada sobre isso. Deixando essas questões de lado e voltando ao que interessa, o clima no carro pareceu esquentar, e eu já planejava algumas artimanhas para praticar com Lorenzo, quando chegássemos em casa. Subimos o elevador em meio a abraços, beijos e amassos, mas quando chegamos, fui interrompida.

    – Rebecca, calma, por favor!

    – Ah Lorenzo, para com isso… – Falei enquanto dava algumas mordiscadas em seu pescoço.

    – Rebecca, estou falando sério. Será que posso comandar nossa brincadeira ao menos uma vez?!

    Olhei surpresa para sua expressão séria. Lorenzo me contrariar tinha se tornado algo raro, após transformá-lo em meu Ghoul. Mas, depois que voltamos da França, algo estava diferente. Talvez o ritual que fizeram, ou o tempo em que ele ficou sem o meu sangue, tivesse mudado algo. Nos primeiros dias, Lorenzo havia ficado deturpado, demonstrando pequenos sinais de loucura, como uma espécie de abstinência. Mas, logo havia se recuperado. Em volta a esses pensamentos, demonstrei certa preocupação, o que o fez se explicar rapidamente, deixando-me mais tranquila:

    – Rebecca, eu também tenho meus impulsos e meus desejos. Gosto de você, do sei jeito. Mas, queria tentar algo diferente. Você desperta em mim vontades diferentes.

    – Como assim Lorenzo?

    – Eu quero amar você. Não simplesmente fazer sexo, entendeu?

    Pensei por alguns instantes.

    – Eu não sei bem como fazer isso. O jeito que conheço é esse.

    – Mas, existem outros jeitos. Deixe-me mostrar a você? – Falou segurando meu queixo e sorrindo.

    Lembro- me que a primeira vez que me envolvi com alguém, foi com Thomas, claro. Tenho tentado apagá-lo de minha memória, mas certas coisas são inevitáveis. Mas, naquele momento, as lembranças vinham para mostrar que outras opções existiam, e que eu tinha direito a pelo menos experimentar outro lado. Talvez um lado mais humano que se perdeu completamente no tempo. Aquela era uma primeira vez. A primeira vez em que eu, Becky, me permiti sentir algo, ao menos mais carinhoso. Sem dor, sem tortura, sem sofrimento. Sem causar isso em alguém. Era redescobrir o controle e meus desejos. Era, de certa forma, uma nova maneira de privação e de sentir prazer, talvez…

    Lorenzo pegou- me no colo, rindo e lançando-me em cima da cama. Tirou a camisa e me deixou admirá-lo. Meu desejo de arranhá-lo e vê-lo sangrar precisaram ser contidos. Depois, veio lentamente em minha direção com seus lindos olhos verdes me fitando. Fiquei observando, a espera. Despiu-me lentamente, enquanto espalhava beijos quentes por todo o meu corpo. Deitado sobre mim, já nu, parou por alguns instantes e olhando em meus olhos afagava meus cabelos, beijava meu rosto, meus olhos, o canto dos meus lábios, pedindo para que eu sentisse aquilo tudo e tivesse paciência. Sua língua procurando a minha e chegando até minhas presas, o que me provocou certa reação, que consegui controlar. Era algo que foi se tornando bom, e me permiti ir além do desejo de mordê-lo. Provocando-me desta forma, nossos corpos se uniram em um movimento lento, até chegarmos ao ápice, explorando, delimitando e sentindo com mais intensidade um ao outro. Passamos um bom tempo enrolados. Seu corpo quente aqueceu meu corpo frio e gélido, fazendo me sentir bem. Fechei os olhos por alguns instantes, sentindo sua respiração, ouvindo seu coração bater forte e logo me lembrei de nossa viagem. Logo lembrei que Lorenzo estaria comigo, e que isso também foi se tornando algo bom.