O som do tiro ecoa pelas paredes do set. Thomas E.Lloyd afasta a sua atenção da Jornalista, passa-a para o sociólogo, caído no chão, os batimentos cardíacos mal se fazendo ouvir. Andressa pula com o som, Daniel agarrando-se mais ainda a suas pernas.
-Mas que droga! – Grita o vampiro, irado. – Quem o imbecil pensa que é? Não bastasse o trabalho imenso que eu tive para conseguir participar dessa maldita entrevista, dar cabo do vampiro designado a defesa da sanção, além de tomar-lhe o nome, tudo para te envergonhar em rede nacional, acabar de vez com sua vida! – Desabafa “Thomas”, enquanto se levanta da poltrona, dirigindo-se ao homem caído no chão.
Andressa se afasta de Daniel, após chutar-lhe a cara com o salto, dá alguns passos para trás, em direção a própria bolsa. Não há sinal algum do cameraman, é como se o set tivesse sido abandonado. (Deus, podes te esquecer da maldita Romaria, não vou fazê-la, mas nem que eu sobreviva!) Aproveitando a desatenção do vampiro, abre a bolsa e de lá tira uma estaca, vendida a dúzias desde que a nova sanção foi aprovada, como objeto de prevenção. A jornalista sabe muito bem que uma estaca não vai matar vampiro nenhum, mas se ao menos servir para tirar os três vivos dali, em segurança…
-Nem tente, senhora, ou eu lhe arranco as entranhas. -Ameaçou Thomas, de costas para a moça, os longos dedos no pescoço de Arruda, checando-lhe a pulsação. -Ainda vivo, pelo menos. Andressa se afasta, pensa no plano B, vai até o extintor de incêndio, usa da estaca para quebrar o vidro.
-O que você quer? -Finalmente, Daniel se manifesta, ainda que agarrado à poltrona, o pânico a lhe esmagar o peito, o corpo inteiro banhado em suor frio. -Se ainda não percebeu, o senhor acabou com a sanção de igualdade. Quantos vão perder com isso?
-Pouco me importo com essa maldita sanção, já não o disse antes? Estou apenas a serviço… acredite se quiser, meu mestre é o mesmo vampiro que acabou com a família deste infeliz que está no chão. Quer vê-lo morto, em pedaços, sem possibilidade sequer de ser enterrado ao lado da esposa e da filha…
Marcos Arruda sorri mentalmente, está quase descobrindo toda a informação de que precisa. Vampiro jovem, esse “Thomas Lloyd”, não consegue sequer notar que o sociólogo atirara no próprio ombro. Com a mão esquerda, tateia discretamente o chão, a caça da arma.
-Então você só está aqui de pau mandado?-Daniel se levanta, o rosto cheio de raiva pela entrevista perdida, a grande oportunidade desfeita. – Seu grande filho da puta, será que não percebe a oportunidade que eu e Andressa perdemos? Pouco me importa se o seu alvo era o sociólogo Arruda, tomasse suas providências fora daqui! Sem contar os envolvidos na sanção! Finalmente, a promessa de um mundo mais igualitário, sem guerras ou disputas entre nós humanos e vocês, seres sobrenaturais!
Andressa respira fundo, amaldiçoa Daniel do fundo da alma. Se o colega dissesse mais alguma besteira, só Deus sabe o que pode acontecer. Afasta os pedaços de vidro do extintor, puxa-o para fora, enquanto procura pelo lacre. Se eu sair daqui, pensa consigo mesma, nunca mais me envolvo com qualquer assunto ligado a tal sanção. Puxa o ar, solta-o devagar. Caminha para mais perto de “Thomas”.
-Fui solicitado a te levar comigo com vida, Arruda. Quanto aos outros, porém… Acredito que posso me divertir um pouco, você não concorda?-O vampiro sorri de forma maldosa para Marcos, ainda no chão, respirando com dificuldade, mais pela adrenalina do que pelo tiro.
Antes mesmo de conseguir se virar, Andressa usa de toda a força que tem e bate com o extintor de incêndio na cabeça do vampiro, que cai, atordoado. Sem pensar duas vezes, bate uma outra vez, então outra. Bate até não sentir os braços a se movimentar, só largando o extintor quando ouve algo rachar. Senta-se ao lado do extintor, cansada. Olha para Arruda, estirado no chão, um tiro no ombro.
-Você tem muito a explicar para os nossos telespectadores, senhor Marcos Arruda… -comunica-lhe Andressa, os olhos cansados.
O sociólogo se levanta do chão, a mão no ombro. Olha para o vampiro (morto, quem sabe?), o crânio rachado, o rosto uma bagunça. Daniel olha para ambos, Andressa e o doutor, recomeça a chorar.
-O que você falou a respeito de acusação de homicídio, Senhora Andressa Meyers? – Comentou Arruda, com um sorriso irônico estampado no rosto.
-Cale a boca, Marcos. Me ajude a arrumar essa bagunça. E trate de colocar as digitais desse infeliz na sua arma, não pretendo ser acusada de Homicídio algum, o senhor me ouviu? E pode apostar, ou o senhor se posiciona a favor da sanção, ou eu presto queixa contra o senhor na polícia, acuso-o de louco e assassino!
Arruda sorri. Agora que conseguira por as mãos em um dos ”filhos” de seu inimigo, não se importava mais em ser contra ou a favor da sanção. Agacha-se perto do corpo, vasculha os bolsos, encontra um telefone celular. Andressa lhe observa as ações, compreende o porque de toda aquela bagunça. Suspira:
-Tu não passas de um homem de 49 anos, sozinho. Porque caçar um assassino, que além de sádico, é imortal? Ainda mais com a sanção as portas de se tornar permanente…
-Não se preocupe Andressa. Aliás, eu me pergunto, estarei mesmo sozinho? – Marcos lhe estende a mão, ajuda a jornalista se levantar.
Dois meses mais tarde, o sociólogo Arruda apareceu de novo na televisão, desta vez a explicar o ocorrido, de forma que sanção alguma fosse cancelada, aceitando, inclusive, participar de nova entrevista, desta vez com um verdadeiro representante. Também não descansou até que a sanção fosse permanentemente aprovada, ao mesmo tempo em que tentava descobrir alguma pista valiosa no celular de “Thomas”.
Andressa não conseguindo mais associar o set onde trabalhava com um lugar pacífico e profissional mudou-se de emissora. Não mais como âncora, passou a escrever matérias a respeito das novas medidas de integração, de forma a diminuir a desigualdade entre seres humanos e vampiros. Apesar disso, quem mais sofreu com o ocorrido, foi o âncora Daniel Alves da Silva, que foi internado, em função dos traumas da entrevista , que lhe afetaram os nervos permanentemente…