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  • Sensitiva, a história de Aidê – Final

    Sensitiva, a história de Aidê – Final

    Leia a parte anterior

    24/10/19xx – Incêndio nos jornais da cidade, Rio de Janeiro, com a revolução que implantava o Governo Provisório, em 23 de Outubro de 1930, deu origem a vários distúrbios civis na cidade, sendo alvo de incêndios os Jornais “O País”, “A Noite”, “Jornal do Brasil” e “Gazeta de Notícias”.

    Fazia mais calor que de costume no Rio de Janeiro. Uma espécie de brisa forte castigava meu corpo e provavelmente foi isso que me despertou. Ao abrir meus olhos eu ainda sentia um pouco de dor das queimaduras de sol e para o meu azar à profecia havia se concretizado.

    Aidê estava do meu lado direito. Estava aflita e tentava a todo custo se desvencilhar das cordas que nos amarravam. Alfredo estava inconsciente do outro lado e ambos apresentavam muitas marcas e sangue, provavelmente da surra que eles nos deram.

    Assim que retomei a consciência, percebi que haviam ateado fogo pelos cômodos da casa e tratei de me libertar. Soltei uma das mãos, então aproveitei a força vampiresca e arrebentei uma das madeiras da cadeira. Soltei-me e em seguida fiz o mesmo com a mulata. Alfredo ficou por último e antes que pudesse soltá-lo fomos surpreendidos pela chegada de Eleonor, junto de outro de seus Ghouls.

    Eles tiveram de quebrar uma das janelas para entrar e aquilo obviamente tirou parte de minha atenção, além de pregar um belo susto em Aidê, que segurou com todas as forças meu braço. Nesse momento peguei a sensitiva no colo e pulei com ela para fora do lugar em chamas. Em seguida surgiu atrás de nós Eleonor seguida por seu segurança que também carregava Frederico no colo.

    Passado o susto surgiu a brigada de incêndio que passou o resto da noite contendo o fogo, afinal ele poderia atingir as casas vizinhas, mas isso nos foi contado na noite posterior. Haja vista que “fugimos” o mais rápido que nos foi possível daquele maldito lugar.

    – Ferdinand, tu sabes que odeio parecer-me com tua mãe, mas tu é uma besta ignorante ou ainda estás na fase de rapazito e das safadagens? Cresça por favor! Ou vou pedir para o Franz te por no jeito.

    Aquilo foi difícil de ouvir e deu muita vontade de sair de lá feito uma criança birrenta, mas foi um dos primeiros “tapas de realidade” onde percebi toda a bosta que eu andava fazendo. Como eu disse no começo dessa história, tive uma fase rebelde sem causa e iria me dar muito mal caso continuasse daquela forma.

    Passado o perigo eu descidi levar as cousas de outra forma e para me redimir passei boa parte dos próximos meses ensinando à Aidê tudo o que eu podia lhe ensinar sobre seus poderes sensitivos. Apesar de toda sua desconfiança a cerca de meu vampirismo, nos tornamos bons amigos e foi uma pena ter de me afastar de sua vida, tão logo ela pudesse dar conta de minha eterna jovialidade.

    Anos mais tarde e um pouco antes de eu me concentrar na fazenda para minha hibernação, eu tive noticias dela. Soube que ela havia montado um negócio de adivinhação na cidade e colocado “madame” na frente de seu nome.

  • Sensitiva, a história de Aidê – pt1

    Sensitiva, a história de Aidê – pt1

    “Tu estás ao centro, Alfredo de um lado e eu do outro. Estamos amarrados a três cadeiras presas ao chão e há muita fumaça, tem fogo em algum lugar… Tem alguém chegando… ”

    Era início do século XX e eu havia perdido completamente a noção dos dias e das noites. Confesso, tive diversas experiências inusitadas ao longo das quatro décadas que vivi no Rio de Janeiro. Porém, havia situações onde eu mal lembrava onde havia dormido ou muito menos aonde acordava.

    Foi numas destas idas e vindas que conheci Aidê. Filha de um ex-escravo com uma espanhola. Cuja combinação não seria outra se não alguém de traços marcantes e temperamento quente.

    Lembro-me de ter sentido alguma cousa me empurrando e ao abrir os olhos entendi que alguém me cutucava com uma vassoura. ”Tá vivo” ela perguntou. “Claro que não” respondi prontamente. Fato que a fez soltar uma gargalhada gostosa, daquelas que até assustam de tão espontânea. Cheguei a recuar e ao perceber minha reação ela se fechou, disse um tímido “desculpe” e voltou a varrer em outro canto.

    – Hey, sabes que horas são minha querida?

    – São quase duas da tarde sinhô.

    – Ah raios! Tens certeza que é tão cedo ainda?

    Ela me olhou estranho e ainda estava digerindo o fato de ter me encontrado usando apenas uma calça e ao chão do quarto de alimentos.

    – Calma,  é que trabalho a noite e durmo de dia…

    Tentei disfarçar, mas ela não ficou muito convencida. Ela inclusive se aproximou e soltou:

    – Desculpe-me o comentário sinhô, mas tu precisas de um bom banho e de um bom prato de feijão com arroz. Bebeu tanto, que tá até pálido… Deixa que eu vou ali no quarto ver se o patrão já acordou e trago uma camisa.

    Sem que eu pudesse dizer que não precisava ela largou a vassoura e foi-se correndo para outro cômodo. Foi neste momento que me lembrei da noite anterior e que eu estava na casa de um conhecido, chamado Alfredo. Na verdade era um ghoul de Eleonor e que havia me convidado para uma “festinha” na noite anterior. “Coitado, devia achar que eu a traria para que tirasse uma casquinha” Foi o meu pensamento.

    Depois de alguns minutos ouvi uma movimentação pelo lugar e surgia a minha frente uma garota loira usando apenas as calçolas. Ela protegia os seios com uma das mãos e na outra trazia o que pareciam ser seus outros pertences. Quando me viu ela sorriu e disse preocupada: “Meus pais vão me matar Fê”. Depois colocou um tipo de vestido e foi-se para outra parte da casa.

    Logo depois estampando um sorriso de orelha a orelha vinha Aidê com uma camisa na mão.

    – Sinhô, não sei o que fizeram na noite passada, mas tá parecendo que o patrão tá morto de morte morrida.

    – Como assim?

    – Eu entrei no quarto do patrão e ele tá sentado amuado num canto. A miúda tava na cama. Tomou um belo susto quando entrei e saiu correndo.

    – Calma, que vou lá ver! Espera aqui e se ver mais alguém na casa me chama!

    Fui para o quarto e o infeliz estava sentado no chão e pelado. A respiração estava muito fraca, mas a julgar pelas garrafas de cachaça, tinha tomado um porre daqueles. Coloque-o na cama e voltei para a sala. Onde por sorte ninguém havia aberto nenhuma janela ou porta

    Aidê estava sentada numa cadeira próxima a mesa e tomava um copo d’água. Quando me viu foi logo perguntando:

    – O patrão se foi?

    – Calma ele está bem, só bebeu um pouco além da conta ontem…

    – Ai minha nossa senhora ainda bem!

    Com o intuito de acamá-la me aproximei e coloquei uma das mãos sobre seu ombro. Foi quando inesperadamente ela se arrepiou inteira e baixou a cabeça por alguns instantes como se estivesse sentindo algo. Cerca de uns 5 segundos depois ela balançou a cabeça, empurrou rapidamente a cadeira para trás e se levantou. Fixamente ela me observou por alguns instantes e disse antes de desmaiar:

    “Tu estás ao centro, Alfredo de um lado e eu do outro. Estamos amarrados a três cadeiras presas ao chão e há muita fumaça, tem fogo em algum lugar… Tem alguém chegando… ”