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  • Servidão – pt3

    Servidão – pt3

    Após estacionar o carro em uma rua mais ou menos movimentada, Abdullah  se dirigiu a casa de Madame Scylla, junto com o seu corvo, que o seguia de perto, escondido por entre às árvores.

    Parando em frente a um casarão antigo, de caráter histórico, Abdullah bateu na porta com os nós dos dedos, levemente, sem fazer muito barulho.
    —Sim?

    O árabe se endireitou e, antes de entrar no casarão, estendeu o braço, de forma a receber o peso do corvo.
    —Madame Scylla se encontra, eu presumo?—Sussurrou Abdullah para o pequeno homem que atendeu a porta, um dos lacaios de madame.
    —Sim. O senhor deve ser Abdullah, não? Me siga por favor.

    Abdullah foi guiado escadaria acima até um salão de aparência modesta, com um conjunto de sofás de cor creme, onde estavam empilhados vários travesseiros de aparência macia.
    —Madame pediu para que o senhor se sentisse a vontade enquanto a espera.

    —Tudo bem.—Respondeu Abdullah, enquanto jogava algumas almofadas no chão de forma confortável para sentar em cima.
    —Não consigo me acostumar com esses costumes ocidentais…Madame Scylla não vai se incomodar se eu fumar, certo?—Perguntou, mais para puxar conversa enquanto já acendia um cigarro.

    O corvo passou a sobrevoar a saleta, a procura de um bom lugar para vigiar o cômodo inteiro. Abdullah, ao notar o nervosismo do animal, sorriu com o canto da boca:
    —Acalme-se. Não vai demorar. Madame Scylla não tem como costume deixar seus convidados esperando.

    —Certamente que não, meu caro amigo.—Uma voz de mulher veio da Janela, que se encontrava semi-aberta.—Ainda mais com um assunto tão urgente.—Madame Scylla encostou o corpo na cortina, os olhos azuis a analisar Abdullah, que continuou sentado.

    —Como vais, Maria?— sussurrou a mulher em direção ao corvo, que apenas moveu a cabeça para o lado, sem interesse.

    —Peço perdão pela familiaridade com que eu tratei suas almofadas, querida. Mas sabes como é, esses sofás são desconfortáveis demais e limitam meus movimentos.

    Madame Scylla riu baixinho, antes de se sentar em uma das poltronas:
    —Já se foi a época do conforto, não concorda, meu amigo? Eu mesma tenho tido certa dificuldade em encontrar móveis que me agradam…está tudo tão colorido, tão…ridículo.—A grega fez um gesto de desdém com a mão, sem desviar os olhos do árabe, que sorria.—Mais importante, porém: houve uma drástica mudança de planos.

    Abdullah levantou uma das sombrancelhas, intrigado, e relaxou mais o corpo entre as almofadas.
    —Deixe-me adivinhar: Ygor Pietro não quer saber de negociação nenhuma, e ao invés disso, se prepara para um conflito bélico entre os clãs?

    Scylla não demonstrou surpresa nenhuma com a pergunta, e apenas sorriu.
    —Não. Receio que você está um pouco desatualizado, meu querido. Ernst, por favor, não fique parado aí na janela, entre e fique a vontade…eu prometo quê, da minha parte, eu não mordo.

    Ernst se esquivou das cortinas e adentrou a sala, a cabeça baixa, ainda se sentindo fraco. Abdullah endireitou o corpo e fixou o olhar no rapaz, quê estremeceu.

    —Não se preocupe. Ele não irá lhe fazer mal. Por favor, sente-se sim? Ainda não estás totalmente recuperado dos últimos eventos,não é mesmo?

    —Obrigado, Madame Scylla.—sussurrou Ernst, deixando-se jogar na poltrona.

    —Pois então, meu caro,é como eu disse…mudança de planos.
    Solicita, Maria pousou de leve o corpo na beira da poltrona onde Ernst se encontrava, soltando um som amigável.

    —Não sinta pena, Maria.—Disse-lhe Abdullah, os olhos fixos no rapaz.—Ele ainda nos explicou o quê pretende ao vir aqui, voluntariamente, mesmo sabendo quê Madame Scylla queria a sua cabeça em uma bandeja de prata pelo o quê ele fez a Thomas.—Tragou um pouco mais do cigarro, voltando a relaxar o corpo. Soltou a fumaça de forma lenta e deliberada, como era de seu agrado.—Quanto a você, Sr.Ernst…Digamos quê o senhor tem muito a quê nos contar.

  • Vampiro de mal humor

    Vampiro de mal humor

    Esta noite aconteceu algo um pouco diferente comigo, mas nem tanto.

    Como a Beth ainda está longe eu tenho passado minhas noites vagando por ai em busca de novidades e indo a lugares no qual nunca vou normalmente. Costumo praticar aquela ideia de que quando andamos por ruas diferentes descobrimos coisa diferentes, o que acaba resultando por consequência em novos aprendizados.

    Nesta noite que passou de quinta-feira para sexta-feira, encontrei um bar novo em uma fábrica fechada e próxima a um viaduto. Sabe aquele lugar no qual sempre passamos mas nunca damos muita bola? Confesso que só percebi este em função de minha audição aguçada e de algumas luzes que piscavam por trás de algumas janelas escuras e sujas.

    Fiz alguns breves contatos e soube que era uma baladinha alternativa, mas sem perigos (aparentes) aos sanguessugas.

    Estacionei a moto, desta noite a HD, em uma rua próxima e fui para a baladinha. Sempre fico com um pé atrás quando a porta da balada é fechada e não tem nenhuma alma penada cuidando, mas resolvi mesmo assim me arriscar nesta investida.

    Bati na porta que era de ferro enferrujado com o bico da bota e poucos segundos depois  ouço passos e alguém na sequencia a arrasta lateralmente. Surge então uma mulher grande e forte quase do meu tamanho (1,90) trajada com um elegante terno preto, camisa preta e gravata preta. Óculos preto estilo Ray-Ban e sapatos cuidadosamente lustrados e brilhosos completavam o look da gigante.

    Ela me olhou de cima em baixo, baixou um pouco os óculos sobre o nariz para me ver melhor e me disse:

    –       Tem convite?

    Fiz um sorrisinho de canto de boca,  me aproximei dela e a uns 40 cm de distância de seu ouvido lhe digo:

    –       Preciso?

    Ela então se afasta um pouco para trás, abre o paletó e me dá um cartão verde escuro quase preto, onde havia escrito apenas “VP“ com uma tinta prateada e já um pouco gasta. Penso em perguntar algo, mas ela abre um pouco mais a porta para que eu entre e me acompanha por um corredor escuro que leva para uma escada até uma porta. Ela abre então a porta e lá estava a baladinha.

    O ambiente era de fábrica, muitos corrimões de ferro, dois bares, algumas mesas e cadeiras de ferro, alguns sofás, alguns coqueiros altos. Um DJ em uma pick-up e várias pessoas diferenciadas. Haviam góticos, play boys, patricinhas, gente sem definição e até alguns engravatados mais excluídos. Acho que depois de tanto tempo indo a lugares de gosto duvidoso eu já não vejo tanta coisa estranha.

    Enfim, fiz o procedimento Galego de sempre, olhei ao redor para perceber, imortais, fucei pelo bar, dei um pulinho pelos banheiros. Isso tudo vai parecer estranho para alguns, mas infelizmente é uma rotina necessária quando se possui muitos inimigos como eu e se está em um local diferente e ainda desconhecido.

    Para minha sorte era apenas um lugar diferente então resolvi sacudir um pouco o esqueleto, dancei por alguns minutos. Algumas meninas tentaram flertar comigo, mas não estava com cabeça para tal coisa, nem mesmo para brincar. Já faz algum tempo que venho pensando na Beth e em como nossa situação vai ficar e isso com certeza é o maior dos meus problemas pois realmente amo ela.

    Uma hora e pouco la dentro, já passava das 2 da manhã e resolvi ir embora. Passei no caixa, paguei a quantia mórbida de R$100 reais e fui para minha moto. Para quem achava que essa noite não ia dar em nada vejo ao longe um cara montado na minha moto, que conversava com um outro que estava encostado no muro fumando algo.

    Existem noites em que até uma briguinha não é bem vida e continuei normalmente até chegar perto da moto, onde parei e fiquei esperando o cidadão se levantar. Acontece que os dois continuaram conversando e nada de se levantarem. Sabe eu juro que tento ser paciente, mas nos últimos anos as pessoas insistem em fazer merda. Será que alguém pode me explicar por que alguns humanos precisam levar uma boa surra de vez em quando?

    –       Amigão preciso ir, será que tu se podia levantar dai?

    Para encurtar um pouco a história, o cigarro do outro cara foi parar dentro do ouvido do babaca que estava infectando o banco da minha moto. Já que ele parecia ser surdo nada melhor do que usar os ouvidos deles para apagar a bosta do maldito cigarro que estava me incomodando.

    Sim estou numa fase ruim…