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Servidão – Entre atos 2 e 3

Ygor Pietro estava muito irritado. Não bastasse os erros de seu mais novo pupilo, o clã de Madame Scylla se recusava a aceitar um pagamento em espécie pela morte de um dos seus membros, Thomas E. Lloyd. Continuavam as negociações, mas a chance de o conflito, até o momento diplomático, tomar proporções militares era muito grande.

-Me chamou, Pietro? -Uma voz feminina e calma veio da porta do salão em que o mesmo se encontrava sentado.

-Sim, Emmanuelle, entre.

Uma moça alta, perto de seus 30 anos de idade, olhos cinza e cabelos cortados rentes ao pescoço, em estilo militar, se curvou levemente em direção a Ygor Pietro.

-Vejo que já está se preparando para o caso de as coisas saírem do controle com o teu irmão, não é mesmo Emma? -Comentou Pietro, os olhos fixos nas armas que a moça trazia presas ao quadril.

-Você sabe como eu sou Ygor, e o que eu penso. Se eles querem guerra, então guerra é o que eles terão. -Respondeu Emmanuelle, a voz calma como sempre.

-O que pretende fazer com aquele rapaz que nós capturamos?- Pietro começou a procurar pela ficha do rapaz, o âncora Daniel que, ao que parece, não se encontrava em juízo perfeito quando foi encontrado perambulando nas ruas, fugido da clínica.

Emmanuelle alisou a parte superior de seu uniforme, desinteressada:

-Klaus vai cuidar dele, senhor. Não tenho tido paciência para  com os humanos ultimamente, e receio que as minhas sessões de interrogação possam sair do controle.

-Entendo. Mas não achas que o Klaus pode perder o controle bem mais cedo do que você, minha querida?

Emmanuelle sorriu levemente, enquanto arrumava uma de suas armas no coldre.

-Desculpe-me, senhor, mas acredito que Klaus já passou da época de perder o controle… eu, pelo contrário…

-Está com sede, Emma? – Ygor se levantou e estendeu a mão para um cálice de cristal que se encontrava no canto da sala.

-Um pouco. Não tive tempo de…

-Muito trabalho, eu presumo? Klaus não tem lhe dado muita folga desde que tu voltou de Paris? Mas o que estás fazendo ainda de pé? Sente-se.

Emmanuelle se sentou, como ordenado, e sorveu de um só gole o sangue frio do cálice que Ygor havia lhe estendido.

-Então? Conte-me tudo, minha querida. Gosto de saber o que acontece no clã, principalmente quando eu estive um tempo fora…

Os dois foram interrompidos por uma batida forte na porta, seguida pela entrada de Klaus, um homem na beira dos seus 35 anos, com um jaleco cheio de sangue, uma das mãos ensopadas com o mesmo líquido.

-Senhorita Levours, sugiro que da próxima vez que empurrar uma de suas testemunhas para mim, certifique-se de que a mesma não vai me atacar durante as sessões. -Os olhos do homem estavam arregalados, um misto de surpresa e insanidade, os dentes a mostra.-Tu bem sabes que eu não possuo muita paciência para com essas crianças desmioladas de hoje em dia.

Emmanuelle se levantou e sibilou, irritada:

-O que tu fizestes seu monstro?! Não podes nem se dar ao trabalho de tirar essa roupa antes de vir falar conosco?

Klaus fechou a porta de sí, os olhos adotando uma expressão divertida, sarcástica. Encostou-se na mesma, evitando a passagem de Emma, que roçou os dedos em uma de suas pistolas, em alerta.

-Se bem me recordo, senhorita, eu não lhe dei o direito algum de se dirigir a mim de forma tão desrespeitosa. Aliás, me pergunto até quando essa raiva irascível vai durar, considerando que…

-Não ouse.  -Sibilou Emmanuelle, o rosto em uma expressão de extremo incômodo.- Mantenha essa maldita boca fechada. Aquilo foi só um erro, não mais do que isso…

Klaus começou a rir, uma risada baixa, controlada.

-Um erro? Mas que curioso, eu jurava que na hora tu não pensavas dessa forma, considerando como a senhorita veio atrás de mim, desesperada por auxílio.

Ygor Pietro, que ainda se encontrava na sala, se sentou novamente, entretido. Nada melhor que uma cena cômica que no final lhe revelasse a verdade a respeito daqueles dois, discutindo a sua frente.

-Eu não sabia o que fazer homem. Mas ainda assim, penso que foi um enorme erro, e que o mesmo não vai voltar a se repetir. – Respondeu Emma, se aproximando da porta e parando na frente de Klaus. -Agora, se me der licença…

Klaus estendeu ambas as mãos para cima, num gesto cômico de rendição:

-Desculpe, mas estou um pouco cansado, e essa porta é tão sólida… Serve-me bem como apoio para as costas. Claro que, eu posso pensar em me afastar daqui se a senhorita se dispuser a falar a verdade.

Emmanuelle soltou um palavrão baixo, em francês, e puxou a arma do coldre, encostando o cano da mesma na têmpora de Klaus, que apenas levantou a sobrancelha, divertindo-se ainda mais com a situação.

-Semana da seca, pelo o que vejo?-Comentou ironicamente, ao mesmo tempo em que afastava a arma da própria têmpora, sem muita relutância.  -Há quantos dias tu não te alimentas direito, senhorita Levours?

-Não é da tua conta, Klaus. Saia da minha frente, ou eu juro que te mato dessa vez.

-Hm… Se bem me lembro, da última vez, tu me deixou em um estado bem lamentável… Mas que ainda assim foi até o meu quarto ver como eu me encontrava, cuidando de meus ferimentos, não é mesmo, senhorita?

Antes que Emmanuelle pudesse responder, Klaus saiu da frente da porta, deixando-a passar.

Alguns segundos de silêncio se estenderam enquanto Klaus retirava as luvas ensanguentadas e o avental, ficando apenas com a camiseta social branca e as calças pretas limpas.

-Que cria mais complicada essa que tu veio a arranjar, não é mesmo, Klaus?- perguntou Ygor com um quê de divertimento na voz, enquanto o mais alto lhe apertava a mão, como de costume.

-Nem me fale Ygor… Mas mais importante, como andam as negociações?

Ygor Pietro suspirou, os olhos se fechando por alguns instantes:

-Complicadas. O clã de Madame Scylla não quer negociar enquanto o assassino não estiver envolvido nas negociações. Chegou a tal ponto quê eles passaram as discussões para o nível militar, chamando Abdulah para tomar parte do problema.

Klaus levantou os olhos das luvas que segurava, surpreso:

-Abdulah? Tu não está falando de Abdulah, membro dos  Demônios do Oriente não é?

-É dele mesmo que eu estou a falar, Klaus.

-Mas então são três os clãs envolvidos até agora?-Perguntou o médico, curioso.

-Precisamente. E eu estava para começar a discutir com Emma a respeito de que soluções tomar caso as negociações passem para o nível Bélico quando tu me aparece e estraga tudo. -Ygor criticou o mais jovem, que apenas sorriu, cansado.

-Nós dois estamos cansados, a senhorita Levours e eu. Gostaria de passar umas férias na Bavária, com a moça, e tentar por lá mesmo resolver nossos assuntos…

Ygor sorriu, cúmplice. Sabia bem aonde o alemão queria chegar.

-Façamos o seguinte… Assim que essas negociações terminarem eu líbero vocês dois para uma viagem. Suponho que visitar a própria capital em missão não ajudou muito a Emma no quesito de férias…

-Sinto dizer que não, Ygor. Emmanuelle não consegue se concentrar tanto quanto antes ao investigar os capturados, e passou a perder a paciência muito rápido, como tu podes ver agora.

-Mas tu a provocou, não foi..-Ygor comentou, mais uma afirmação do que uma pergunta.

-Parcialmente, sim. Mas eu estou apenas me esforçando para que ela me diga a verdade, e pare de mentir a respeito de nosso relacionamento. O problema, temo eu, é que não ando muito paciente tampouco.

-Quando Ernst acordar, tu poderia vir até aqui me avisar, Klaus? É um favor que lhe peço.

Klaus se levantou da cadeira, pôs as luvas de volta, e sorriu para o velho amigo, um sorriso honesto, sem brincadeiras ou piadas de mau gosto.

-Certamente, senhor Pietro.

Um comentário

  1. Hahaha, uma das melhores partes doi o Klaus provocando a Emma!!! Eu gostei! Estava ansiosa para essa parte e agr, estou mais ansiosa ainda para a próxima!!

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