Categoria: Intimidades

Artigos, pensamentos e reflexões sobre a vida, os sentimentos e tudo mais que possa envolver as criaturas pensantes deste planeta.

  • O preço da imortalidade

    O preço da imortalidade

    A garoa caía leve, deslizando pelo ar como pétalas entregues ao vento. A lua, tímida, se escondia entre as nuvens, quase imperceptível aos olhos humanos. No refúgio, Pepe estava largada no sofá, distraída, enquanto Audny folheava os manuscritos e anotações trazidos da fazenda. Mas eu… eu estava inquieto. A noite parecia exigir movimento, interação.

    “Algum esquema hoje no pub?”, escrevi para Franz.

    O silêncio da tela não me surpreendeu. Ele poderia estar em qualquer lugar, fazendo qualquer coisa que um imortal desejasse. Sem esperar resposta, peguei um dos carros – um híbrido – e segui para lá. O trânsito estava tranquilo após as 21h, mas ao me aproximar do pub, uma onda de presenças me atingiu. Majoritariamente humanos, sim, mas também sobrenaturais. Entre eles, um lobisomem, talvez uma bruxa… e uma energia fraca, oscilante. Um vampiro jovem.

    Estacionei na vaga habitual. O carro de Franz não estava ali. Nada preocupante – ele vinha e ia conforme queria. A fila para entrar estava longa. No meio dela, identifiquei a lupina e um possível feitiço na aura de alguém. A energia do vampiro novato também reverberava ali, instável.

    Passei pelos seguranças com um aceno rápido. Sabiam quem eu era. Desci para a área administrativa, onde a gerente e o chefe de segurança monitoravam as câmeras. Atrás daquela sala, uma segunda porta protegida por senha levava ao nosso espaço reservado: sofá amplo, uma mesa cercada por cadeiras, uma geladeira abastecida com bebidas e bolsas de sangue fresco, trocadas a cada três noites.

    Sentei por ali, consumindo uma dose, rolando as redes sociais. A banda começou pouco antes das 22h – uma boa oportunidade para interações. Ainda nada de Franz. Não que eu estivesse preocupado. Era apenas a inquietação geminiana. Fui ao lavabo, gargarejei flúor e finalmente me joguei na pista.

    — Senhor Ferdinand, sou sua fã! — A garçonete surgiu, prendendo-se ao meu braço. — Sempre acompanho suas postagens no Wampir! Estava comentando com uma amiga sobre como você e o senhor Franz interpretam bem os vampiros!

    Essas eram as ocasiões em que os dons mentais de Franz seriam úteis, mas eu sabia lidar. Soltei uma risada e correspondi:

    — Que bacana! Depois me chama lá e me conta quais histórias você curtiu mais. — Aproveitei a deixa. — Viu meu irmão por aí?

    Ela apenas balançou a cabeça. O som aumentava e a multidão se movia ao ritmo das melodias. A lupina se divertia como qualquer outro. Eu mergulhei nos riffs, absorvendo a vibração da noite. Era disso que eu precisava.

    O iPhone vibrou.

    “Tô indo pro pub, tais onde, maninho?” – Franz finalmente deu sinal de vida.

    Quando ele chegou, subimos para o terraço. Em meio a tragadas no vape de melancia, ele falou sobre uma vampira que havia conhecido recentemente. “Coisa boa”, pensei. O papo fluía até que senti aquilo.

    A energia que sempre vinha.

    A voz de Franz se tornou distante, as músicas se dissolvendo no fundo. A névoa surgiu, sinuosa, e eu… eu sabia. Estava sendo puxado para o Umbral.

    Era inevitável.

    Meu corpo não resistia. Atravessava.

    E então, 1945.

    O cheiro de maresia. O som das ondas. Leblon. Sentado numa cadeira de calçada, observava o velho bar Veloso – um mercadinho na época, ponto de encontro de quem apreciava música e cerveja gelada.

    A princípio, não me sentia dentro do meu corpo. Flutuava em uma estranha consciência, mas logo me reconheci. Era eu. Vestido com roupas da época. Estranho e fascinante.

    Alfredo, o ghoul de Eleonor, estava ao meu lado. Não Franz.

    Ele resmungava sobre os trabalhos, jogando para dentro doses generosas de cachaça – “oncinha”, como chamava. A cena era familiar. Eu lembrava daquela noite. A noite anterior ao dia em que conheci Aidê.

    Mas antes que pudesse interagir, tudo se esvaiu. Alfredo, o barulho, o ambiente. A névoa retornou.

    Pisquei e lá estava Franz, me encarando.

    O celular vibrou.

    A sobrinha de Aidê.

    Ela havia morrido.

  • Papo de uma noite qualquer 

    Papo de uma noite qualquer 

    – Ahhh o pub Raibow, que ideia maravilhosa meu irmão! 

    Ali se iniciava um papo charmoso com o Franz, digo charmoso, pois ele estava inspirado. As noites em meio as pessoas ou sobrenaturais que se disfarçam entre os humanos em nosso espaço, tem sido muito bacanas e produtivas para o vampiro centenário. 

    Sim, eu tenho falando bastante disso e sobre o fato dele estar bem nessa empreitada. Sobretudo, isso é algo muito bom e que foge do fato de eu falar sempre sobre mim. Sério gente, cansei de falar das minahs histórias aqui em todos esses anos. Será que algum vampiro não teria histórias mais interessantes? 

    Bora falar do Nosferatu e do papel interpretado pelo Bill Skarsgård. Gente que ator maneiro e que foi além do It. Adorei o papel dele, sério mesmo. Bem na verdade o bigode foi algo, assim que somente o meu mestre Georg curtiria, ou os camaradinhas que frequentam a Santa Cecilia em São paulo, mas ok. 

    Voltando ao assunto do pub. Franz estava feliz pois se enamorou com uma garçonete. Garota simples do interior, mulata do sorriso cheio de dentes e cheia dos rebolados cativantes. Se você troca duas palavras com ela a mulher vem com um gingado do nada. Simpática, que só ela, não são apenas os vampiros que cuertem seus traquejos, mas muitos marmajos pagaram contas de 4 dígitos ao se engraçar com a sua lábia… 

    – Que felicidade é esta que te completa meu irmão, seria a tal mulher que tens saído? 

    Um papo

    Ele curvou a cabeça e entreolhou para o canto da sala… depois completou: 

    – Imagines tu que ela se pôs a conversar com um fulano noutro dia e o dissimulado pagou quase 5 digitos de conta numa simples noite de quarta e sem banda. 

    – Vislumbro que alguém merece uma promoção? 

    – Quem sabe? 

    – Pergunta com perguntas, como resposta meu irmão… Algo de errado não está certo, tal qual alguém me disse esta semana. 

    – Heim? 

    – Relaxa devaneios de alguém que tenta estar em todos os meios. Essa mulher, vamos chamar de Letja, o que tens a me dizer além do fato de que ela trabalha muito bem? 

    Ele ponderou por vários instantes… 

    – Ahh ela rebola por qualquer motivo. 

    – Olha ai tá vendo (risos) era esse o ponto… e esses rebolados como estão na tua cabeça? 

    – Poxa maninho, acho ela uma linda. Toda cativante, toda cheia dos sorrisos, toda cheia de energia, mas é uma funcionária humana. Como tal precisa nos servir! 

    Levantei a sobrancelha esquerda, depois falei pausadamente. 

    – Olha, eu passei contigo os perrengues da tua ex… e o pub veio como algo bacana para que você retomasse alguns pensamentos. Se achar que a tal Letja pode ser algo além de uma funcionária, eu acredito que você deveria pensar a respeito. Todos os dias os humanos nascem e peressem. São poucos que merecem uma sobrevida… pensa nisso. 

  • Alguém tem algo contra a esta união?

    Alguém tem algo contra a esta união?

    – Querida? Está quase na hora, vamos? – Disse Fatma, após bater e abrir a porta.

    – A Elis ainda está colocando as flores no meu cabelo… E estou terminando umas coisinhas pelo smartphone.

    – E o que ainda precisa terminar? – Perguntou-me.

    – Calma, estou apenas escrevendo alguns e-mails.

    – Você precisa parar de trabalhar… Até nesta noite está ai fazendo essas coisas? Estão todos te esperando lá embaixo. Está tão linda! Vamos, vamos que estão todos ansiosos.

    – Nos dê só mais um minuto, já estou terminando com as flores.- Adiantou-se Elis.

    Olhei-me no espelho, quase parecia humana com aquela maquiagem tão perfeita. O vestido gola alta, e mangas longas bordadas, um leve volume na saia. A delicadeza e elegância apresentavam-me totalmente diferente de quem já fui um dia. E naquela noite, era como se eu pudesse realmente sentir meu sangue quente outra vez, tamanha emoção e ansiedade. Passei pelo corredor, desci as escadas com calma e logo os vi me esperando.

    Enzo veio em minha direção, pegou minhas mãos, as beijou. Beijou minha testa e juntos fomos até Antoni, que nos olhava com aquele olhar fraterno de quem admirava seus filhos. Todos os nossos amigos estavam presentes e demonstravam alegria, mesmo diante a palidez de seus rostos. Então, Antoni começou a celebração, dizendo:

    – Queridos amigos e membros de nosso clã, estamos aqui, para anunciar à todos que Rebecca e Lorenzo se tornaram minhas crias legítimas, Lorenzo transformado por Rebecca em um de nós, e Rebecca transformada por meu irmão Thomas, os tornam de minha linhagem. Sendo, com isso, possivel eles deixarem de ser exilados e definitivamente estarem sob minha tutela e proteção. Além disso, esta noite se torna ainda mais especial, pois eu, como líder de nossa fraternidade abençoarei a ambos, conforme sua vontade manifestada de se darem um ao outro. Peço que nesse momento todos erguam suas mãos…

    E assim, Enzo e eu viviamos algo inimaginável para ambos. Libertos, sem precisarmos fugir dos regrados e como dizem os humanos, casados. Após toda a celebração, uma festa madrugada a fora instaurou-se animadamente. Dançamos e bebemos em meio à muitas conversas e brincadeiras. Mas claro, desde a celebração eu senti a falta do meu amigo, que deveria estar lá para nos apadrinhar junto com Lili.

    – Minha linda, nunca vi festa ou algo semelhante em nossos círculos, vocês aqui são realmente especiais. Parabéns por sua liberdade! Sei o quanto lutou por isso. – Disse Lilian, me dando um abraço apertado e nada delicado. – Você e Enzo estão lindos demaaais, eu amo vocês.

    – Nós também te amamos. Obrigada por estar aqui, sabe como sua presença é valiosa para mim. 

    – Eu sei… e escuta, ele não vem, pare de olhar para os cantos. Esquece isso amiga e aproveita sua festa. Você ficou bons anos sem aparecer ou ligar, quando entra em contato é pra um convite desses? É demais até pra ele. Eu quase cai para trás!! Então, imagina o quanto ele deve ter se irritado!

    Dei de ombros, mas ainda tinha esperanças, haviam coisas a serem ditas. Se o meu convite havia sido demais, como eu comunicaria nossa decisão sobre os rumos da história de agora em diante?

    – Testando, som!

    A música continuava tocando, mas então Antoni pegou o microfone, os instrumentos e a banda pararam e ele logo foi dizendo para abrirem espaço no centro da sala. Me chamou, e uma valsa começou a tocar lindamente. Madrinhas revesavam Enzo e os padrinhos tiveram seus minutos para me mostrar suas incríveis habilidades de dança. Novamente aos braços do noivo, nossos olhos se encontraram, sorrimos, nos beijamos e eu estava pensando em que momento eu havia me tornado a Rebecca noiva apaixonada, quando de repente reconheci um cheiro no ar. Meus olhos mudaram de cor quase que no mesmo instante e Enzo percebeu minha inquietação.

    – Poderia me dar a honra? – Ele disse ao se aproximar.

    – Claro, você também deve dançar a valsa dos padrinhos. – Disse Enzo cedendo seu lugar.

    Ferdinand tocou meus dedos até o anel que havia sido colocado horas atrás, olhou para mim, sorriu sarcástico e o outro braço, passou por minha cintura, ficando mais perto. Eu não consegui dizer nada, mas me sentia feliz com sua presença e ao mesmo tempo nervosa. Dançamos e então ele disse:

    – Precisamos conversar, mocinha.

    – Precisamos, mas por enquanto aproveite a festa. – Eu estaria com as bochechas coradas nesse momento, se pudesse.

    – Essa “fantasia” que vestiu, te deixou ainda mais bonita. Mas senti falta dos seus cabelos longos.

    – Gosto de mudar, e não estou fantasiada, mas obrigada. – Agradeci, pensando que tal agressividade não se justificava.

    Enzo voltou para concluirmos a valsa, em seguida, avisei a ele e Antoni que sairia por alguns instantes já que era madrugada. Fiz sinal para Ferdinand que naquele momento tinha ido cumprimentar a Lilian e fomos caminhar pelo jardim. Enquanto caminhávamos o silêncio se tornava pesado, eu tinha coisas à dizer mas não sabia por onde começar. Então, comecei do começo:

    – Olha Ferdinand, sei que você esperava um contato meu de outra maneira. Ou talvez não esperasse mais nada da minha parte em vista que ficamos tantos anos sem nos falar e você nunca me procurou. 

    – Na verdade eu não sei em que ponto nos distanciamos. Não sei o que eu fiz. – Ele respondeu. – Apenas focamos em outras coisas e seguimos nossos próprios caminhos.

    – Você tem razão. Mas tenho algo a lhe dizer, me senti descartada por você de certa forma. Como se eu só servisse para alimentar algum ego e do nada as coisas desandaram. Nosso erro, foi ter misturado e confundido quem éramos.

    – Você se refere ao que? – Ele perguntou de forma fria.

    – Me refiro a seu lado pirata.

    – Você se arrependeu do que passamos naquela fase?

    – Não, mas foi o que quebrou nossa amizade. Você era o irmão mais velho que eu não tive, mas tudo se tornou cada vez mais vazio, frio e distante. Percebi que nunca me senti realmente próxima, como sendo apenas uma peça de um jogo cheio de outras peças iguais que são largadas de lado no tabuleiro. Depois, algumas coisas chegaram aos meus ouvidos e fiquei confusa.

    Ele não disse nada, ouviu em silêncio e não notei nenhuma expressão para concluir algo. Então ele disse: 

    – Então, agora você tem seu próprio clã? O que vem depois?

    – Parece que sim. Depois vamos nos preparar para cuidar de tudo por aqui. Antoni está cansado e planeja hibernar, o que me deixa triste, mas aliviada por não precisar mais fugir dos regrados. Mas precisamos aprender muitas coisas… Ainda vai um tempo. Enzo é jovem, mas muito responsável e aprende rápido, já se adaptou a sua nova condição.

    – Entendi. E como tudo chegou até esse ponto? Eu queria realmente saber.

    – Antoni nos convidou para passarmos mais um tempo aqui em 2017. Na época a intenção dele era novamente me convencer a liderar ao lado dele. Mas ele percebeu que Enzo já ocupava um lugar importante e eu não aceitei sua proposta outra vez. Então, Enzo e eu fizemos algumas viagens, voltei para meus negócios, tive encrencas com a máfia por causa das empresas em plena pandemia, algumas quebraram, quase perdi todo meu patrimônio e descobrimos algumas coisas bem pesadas nesse meio que me fizeram ver tudo de maneira diferente. Precisei da ajuda do clã para me livrar de alguns regrados e desses malucos mafiosos. Então eu disse a Antoni em algum momento que não aguentava mais aquela vida de fugas e confusões, cheguei ao ponto de pensar em hibernar para sempre ou até de me entregar aos regrados. Mas ele não deixou e nos acolheu, foi onde se tornou um verdadeiro protetor e ele passou a nos ver como filhos.

    – Você poderia ter me pedido ajuda.

    – Será? Eu não senti que podia. Mas agora que as coisas já estão resolvidas eu queria ao menos que você soubesse.

    – Ok. Lamento e fico feliz por você, de verdade. E fico feliz por ter me procurado, apesar dos pesares.

    – Obrigada, eu acho. – Nesse momento rimos de forma contida e fiquei pensando que apesar de estranho não parecia que haviam tantos anos de distância e nem tanta mágoa entre nós.

    Continuamos a caminhada em silêncio. Eu guardava meus pensamentos. “Se eu queria que tudo tivesse sido de outra forma? Talvez. Em algum momento esperei mais? Talvez. Nem tudo acontece no tempo oportuno e com certeza existe uma razão oportuna.” Logo em seguida, vimos que todos saiam para fora, Enzo veio até mim e me puxou para ver fogos de artifício que estavam sendo lançados. Ao fundo, eu podia ouvir o som do mar, as risadas, conversas e o tilintar das taças. Num instante de distração, perdi Ferdinand de vista, quando me dei conta ele já havia ido embora outra vez.

  • Sangue e as drogas

    Sangue e as drogas

    Estava eu me alimentando… o caminho de um pobre coitado havia cruzado com a minha fome, no canto escuro de uma rua sem saída. Todo o cuidado com janelas, câmeras, celulares ou drones foi feito e me ti a boca naquele pescoço. Um, dois, três, quatro goles. Queria mais! Porém, era um sujeito de sorte. Abri os olhos, me contive, lambi a ferida para cicatrizar e soltei seu corpo mole por ali.

    Algumas horas depois ele deveria acordar ou ser acordado com uma baita dor de cabeça. Em sua cabeça viria a lembrança do uso de drogas e a minha abordagem, que no máximo o fará pensar que tudo foi uma grande “viagem”. Por outro lado, eu estava alimentado, mas as drogas utilizadas pelo individuo me fizeram divagar em meus pensamentos mais íntimos.

    Algo “bateu” assim eu saí do beco e me sentei no banco da moto. Eu estava prestes a ligá-la quando os pensamentos se bagunçaram. Eu ainda tinha o objetivo claro de ir para o meu refúgio, mas lembranças de Suellen, Beth, Julie, Lilian e Claire vieram a mente.

    “Por que diabos eu estou pensando nelas?”

    “Deixei algo inacabado com alguma?”

    Sim, Claire, a última… Aquela, que disse me visitar em breve no Brasil… Um flash e vi a gente em sua cama na Inglaterra. Outro flash e veio a mente aquele fantasma da bruxa, que deu arrepios… Um barulho começou a zumbir. Aos poucos ele ficou mais forte. Outro flash e o maldito som de uma buzina de caminhão de lixo, que passou raspando pela roda dianteira da moto. Acordei.

    – Pqp, que brisa, cara! – Falei como se houvesse alguém com quem papear por perto.

    Coloquei o capacete e sai acelerando alto o V2 da HD, que ecoou e certamente acordou quem dormia nos prédios ao redor. Para alegria dos Anarchs eu estava agindo conforme eles pregam, no desapego. Sobretudo, para alguém que ainda tenta seguir as leis antigas eu tinha feito muita merda. Ahh o limite entre o certo e o errado, que eu insisto em ultrapassar.

    Já no refúgio, encontrei Audny atoa. Ela assistia algum streaming deitada no sofá e quando me viu, se levantou e veio papear.

    – Olá sr. Ferdinand, quinta cria de Georg… Calma, calma é brincadeira!

    – Ufa, achei que todo o aprendizado que lhe proporcionamos nos últimos meses havia ido pelo ralo abaixo…

    Ela me observou, tal qual uma investigadora que fareja algo na cena do crime, cerrou os olhos para focar e disse em seguida:

    – Pupilas dilatadas, semblante mais apático ou relaxado… Valeu-se de algo diferenciado?

    Sentei-me numa banqueta alta que fica próxima de um balcão. Joguei as costas para trás, depois tirei os tênis e por dois ou três segundos eu ponderei sobre como lhe responder. Mas aquilo que meu doador havia utilizado, removeu os filtros. Tagarelei:

    – Simmmm, useiiii… Mas já que está interessada. Anos atrás eu tive uma namorada vampira e ela se chamava Claire…

    Devo ter ficado uns 15 ou 20 minutos contando as histórias de todas as vampiras, lobas ou mulheres que passaram pela minha não-vida. Parei apenas quando Pepe surgiu, se interessou pelo papo e começou a fazer caretas atrás de Audny. Aquilo era engraçado, tirou minha atenção e me deu um ataque de risos.

    Ambas ficaram me olhando e me julgando… até que eu não sabia mais por que dava risada e fui para o banheiro lavar aa cara. O que aliviou e deu um pouco de foco. Voltei para os sofás e me desculpei:

    – Sangue com drogas, evitem isso gente!

    Pepe apenas deu risada e Audny, tentou ser séria:

    – Quer dizer que você não sabia, ou o fez por querer sr. Ferdinand?

    – Tá de zuera ne ruiva… Fi-lo porque qui-lo, como diria Jânio Quadros!

    Ela fez cara de que não havia entendido. Então, soltei:

    – Fiz porque quis, entende?

    – Mas isso não [e perigoso nas noites atuais em meio a tudo o que nos compromete?

    Pepe respondeu no meu lugar:

    – Ai que está a graça Aud…

    – Vocês brasileiros tem um jeito peculiar de tomar decisões.

  • Uma noite de verão

    Uma noite de verão

    Numa noite dessas eu havia deixado o meu local de descanso. Estava tudo bem, tirando o tempo, que oscilava entre nuvens carregadas e o vento quente de verão. A intensão do momento seria rever um contato importante. Bem na verdade era uma mulher que havia me interessado. Não apenas por seu jeitinho simpático e empoderada, mas também por ser representante de uma indústria que fornece metal para uma de minhas fábricas, ou seja, seria um encontro com vários interesses.

    Fui de carro, não era minha BM, mas um tal de BYD Seal elétrico. Carrinho divertido, mas não se compara ao v6 que tenho em “casa”… Cheguei no lounge, lugar simpático com tochas, gazebos de madeira e algo tipo umas camas ou como diziam os anfitriões “espreguiçadeiras”. Fato é que já havia gente por ali, alguns casais naquela pegação gostosa, outros apenas na intensão de tais atos ou para ouvir um som e se embriagar.

    – Oi, Ferdinand. Acertei teu nome? – Disse ela com um pé atrás.

    – Sim, senhorita acertou precisamente. Mas isso eu vou considerar um ato de sorte.

    – Ato de sorte, eu pesquisei bem antes de lhe convidar para cá!

    – Não esperava menos que isso de vocês, incluindo a bela dama para negociação. É o ajuste anual de preços ou algum percentual menor naquilo tudo que compramos de vocês? – Joguei um verde.

    – Um pouco disso tudo e mais…

    – Certo, você prefere um gazebo, uma mesa ou quer ficar de papo aqui na entrada…?

    – Calma moço, vamos ali. – Ela me apontou um canto que parecia um camarote, algo a princípio reservado e mais intimista.

    Papo vai e vem e eu percebi a chegada de algumas garotas, muitas delas bonitas, com marca de biquini ou com trajes muito pequenos. Acho que uma delas estava praticamente de lingerie, quando a vi junto ao segurança que liberou sua entrada. Achei aquilo tudo um tanto forçado, então resolvi puxar um novo papo focado com a representante.

    – Hoje é tipo o que, festa, negócio…?

    – Ah Fe relax, a empresa liberou uma verba, só queria ficar de boas, me permite?

    – Primeiro, que não temos intimidade pra você me chamar assim. Segundo que eu vim aqui pra um assunto importante. Terceiro…

    Quando eu iria falar a terceira cousa ela se aproximou, sentou-se na minha perna e fez carinho na minha orelha esquerda. Cara, ali é um ponto fraco, segurei sua mão de forma meio bruta e ao estilo predador me aproximei de seu pescoço. O aroma de frutado, talvez framboesa me despertou algumas lembranças. Beijei de leve sua pele quente e senti que meus lábios frios lhe proporcionaram um arrepio, que deixou sua pele branca e macia com os poros excitados.

    Mordisquei de leve aquele mesmo pescoço perfumado e até tive a intensão de me alimentar, mas me contive e me concentrei a ponto de apenas ficar ali. Tal qual os casais que mirei na entrada entre amassos e caricias.

    Confesso que a minha cabeça ainda está na Escócia, mas me ative ao momento. Em determinado ponto nosso camarote já estava cheio e eu era o único cara em meio aquele antro da perdição, estava me sentindo o próprio sultão em um harém. Situação que deixaria Franz com orgulho, se não fosse minha cabeça pouco focada em tal situação.

    Em algum ponto da madrugada as nuvens se juntaram e o céu literalmente caiu. Todos que estavam nas áreas externas se movimentaram para dentro e o local se tornou inóspito. Convidei a mulher para irmos ao meu hotel e depois de alguns minutos chegamos por lá. A banheira foi bem usada por ela e sozinha, enquanto eu colocava as redes sociais em dia…

    No fim, ela realmente queria se divertir e devo ter sido uma péssima companhia por não ter feito tudo o que ela queria. Sobre os negócios, enquanto ela já tomava um café, consegui manter o fornecimento com um pequeno reajuste já esperado contratualmente.

    Foi bom para se distrair em meio aos humanos e seus hormônios…

  • Uma amiga e um cabaret

    Uma amiga e um cabaret

    Eis que a noite me brindou mais uma vez com frio e uma garoa. Estava um tanto quanto inibido por fazer qualquer coisa, mas o bom de ter muitos amigos é que um sempre aparece…

    – Tá meio pra baixo heimm loirão?

    – Quem é viva…

    – Mortinha a tempos baby, quer sair?

    – Assim sem nem dar um oi direito?

    – Vais ficar de doce agora? Isso é novo pra mim… ainda mais vindo de ti.

    – Pow Julie, cavala como sempre, mas ok o que me propõe?

    Alguns minutos depois no whatsapp:

    – Tem esse lugar novo, quer ir comigo, acho que o espetáculo vai te animar.

    – Quem te falou que tô desanimado?

    – Tu mesmo loirão, quem te conhece a tanto tempo e lê teu site, sabe que tá na merda.

    – Depois desse soco na cara, só posso aceitar. Umas 22h?

    – Chega as 21h30 pra pegar lugar na frente!

    E assim começava mais uma noite. Levei uns minutos para me arrumar depois de um banho quente. Passei o perfume que ela já conhecia, uma calça capri bege e uma camisa mais solta tipo vintage off-white, nos pés um mocassim caqui e confortável. Antes que perguntem a Pepe tem me ajudado com umas ideias de look que saiam do roqueiro sujo. Diz ela que isso é coisa de tiozão do pave e ainda tenho oportunidades que precisam ser exploradas.

    Enfim, fui de carro também para não sujar a roupa clara na garoa e na estrada. Lá chegando o manobrista pegou o carro. Fiquei por um tempo fumando meia dúzia de Djarum black mentolado e isso não é propaganda. Pontualmente, 9h29 surgia ela, a bela morena de vestidinho curto, azul e colado. O salto 15 a deixou com algo perto de 1,75 e isso por si só já mexeu comigo, pois ela também estava diferente do padrão.

    Veio de início uma troca de olhares, aquele lance meio animal que temos… ela me cheirou, depois beijou de leve o meu pescoço com seus lábios carnudos e segurou minha mão dizendo:

    – Sabia que hoje seria diferente, vamos entrar loirão?

    Uma hostess nos recebeu e nos levou até a mesa que a vampira havia reservado em frente ao palco. Lugar amistoso. Os leds coloridos e o ambiente industrial se complementavam. Ficamos ali lembrando momentos divertidos e aquilo me trazia lembranças de um tempo que eu havia esquecido.

    Eis que o show começou com uma drag cantando lindamente. Além da voz e do canto afinados ela nos surpreendeu com uma performance estilo pomba gira e uma letra que na verdade me soou como um grito de liberdade diante a sociedade tradicional. Ela criou o clima perfeito para os demais shows que veríamos. Muitos striptease, pole dance e inclusive um bondage ao estilo Kinbaku japonês que me surpreendeu.

    A cada espetáculo ela ficava mais perto de mim. Por vezes senti ela agarrando meu braço ou minha perna. Ela estava diferente e excitada. Não falamos muito, mas ao fim do espetáculo ela insistiu para que eu fosse ao seu hotel e por lá ela me surpreendeu com uma lingerie minimalista, na mesma cor de seu vestido, com detalhes em renda e linha preta. Seu corpo estava perfeito como sempre, a exceção de uma ou outra cicatriz nova, o que a meu ver apenas a deixava ainda mais encantadora.

  • Highlands – parte 2

    Highlands – parte 2

    Os dias por essas bandas longínquas são definitivamente um calmante para a alma até daqueles que não possuem mais uma. Apesar de simplória, a fazenda da Lorna e seus irmãos era linda, como em um conto de fadas, com uma cozinha que ficava nos fundos da casa, de frente para a baía e em todo resto da casa parecia que o tempo havia parado, com pequeninas aranhas saltitando pelos cantos, flores em vasos coloridos, móveis rústicos e livros que tinham tanta poeira que quase não dava mais para enxergar os títulos nas capas.

    Apesar de estar onde eu estava, por vezes e mais vezes me peguei na angústia excruciante de ligar ou mandar uma mensagem para o Fê. Não sou o tipo de “pessoa” que admiti algo com facilidade, muito pelo contrário, por muitas vezes a minha teimosia foi minha pior inimiga.

    Na minha percepção após tudo o que havia ocorrido na Ordem, eu achei que talvez meu querido vampiro quisesse um tempo distante de mim e de toda loucura que foram aquelas noites intermináveis. Mais uma vez a minha teimosia venceu e eu acabei errando pois, em uma noite tranquila enquanto os irmãos de Lorna corriam por entre os vastos campos da ilha, transformados em lobisomens, eu e Lorna decidimos que seria renovador ir até um pequeno pub (o único pub) da pacata e encantadora cidade, para ela tomar uma cerveja e eu apenas acompanhá-la.

    – Lili – disse ela sentando-se em um dos banquinhos do bar – Não veio para ficar? – Eu apenas balancei a cabeça como sinal de que eu havia vindo por um curto período e não para toda eternidade.

    – Lô minha querida amiga, não vim aqui para fincar as minhas raízes… Quer dizer, vou ficar por aqui um tempo, mas, não para sempre. – Eu sabia que minha antiga amiga adoraria que eu morasse por lá, porém, não me vejo tão isolada assim e olha que eu sou do Texas.

    – Me diz uma coisa… O vampirão lá, todo estiloso, boa pinta e tal, vale toda essa sua vontade de voltar? – O curioso é que essa pergunta nunca me foi feita, até agora e por mais que eu procure uma resposta plausível e bem formada, a única coisa que conseguiu sair dos meus lábios foi o simples:

    – Sim!

    Engraçado como é a vida, doía pensar nele, mesmo naquele momento. Aquela noite tinha sido uma linda noite.

     Agora caminhando sozinha pela longa e infinita praia de areia, após insistir para Lorna que eu não queria correr pelada pelos campos, afinal não sou uma lobisomen; sou uma vampira sendo iluminada apenas pela luz do luar, que conseguia ver o mundo mudando a quilômetros pela praia longa e plana, com o continente parecendo apenas uma linha ao longe, pensando em como ele estaria, até que eu senti o que por semanas não sentia…

    A presença inconfundível, o aroma amadeirado com limão e sangue, a única voz que não saia da minha cabeça com facilidade. Ao virar para trás, lá estava ele, calças jeans rasgadas e dobradas, camisa preta, casaco de couro e pés descalços na areia com um sorriso largo no rosto, mãos no bolso e o azul no olhar que conseguia tirar qualquer pensamento ruim da minha cabeça.

    – Pensa no trampo que tive pra vir atrás de ti nessas terras antigas, vampirinha!

    Eu havia decidido caminhar pela praia sozinha, com a certeza de que não haveria ninguém lá e quando me dei conta, eu já não estava tão sozinha naquela névoa.

    – Fê?

  • Os contratempos para um vampiro da atualidade

    Os contratempos para um vampiro da atualidade

    Passado o tempo de estruturação dos meus projetos de vampiro no Brasil, tomei a liberdade necessária para reencontrar alguém que tenho muito apreço atualmente, a Lilian. Depois de algum tempo trocando mensagens, resolvi que seria muito oportuno dar uma saída. Sabe, o famoso renovar de ares.

    Para tal fim preparei a viagem com certa antecedência. Fiz os contatos necessários e deixei as coisas arrumadas em casa, para a felicidade da Pepe. Atualmente é bem ruim e estressante viajar internacionalmente sendo um vampiro. São muito protocolos e documentos. Na boa, da muita vontade de viajar num caixão de terra como antigamente.

    Oportunamente, deixei meu clã todo avisado, os prefeitos vampiros de onde eu passarei, bem como um ou outro aliado. Falo de todo o processo pois realmente vivemos uma época diferente. Câmeras, impressão digital, biometria facial… Está cada vez mais difícil circular globalmente. Sem contar os perrengues com polícia federal, alfandega, caçadores, mercenários…

    Por que um vampiro on-line?

    E por que você continua divulgando, tudo isso de vampiro e outros seres aqui Ferdinand? Cara, esse papo rende e toda semana inclusive renovamos as medidas de segurança daqui… Sabe, para manter o anonimato. Mas é muito do que já falei várias e várias vezes aqui. Sem falar que eu já vejo como uma grande utopia, mas alguém precisa persistir e incentivar os demais a pensar na união coletiva. No porquê disso tudo e em como seria a convivência aberta entre todos os seres da terra.

    Temos diversos ideais diferentes, mas o planeta é casa de todos. Sim, falo abertamente aqui dos ideais Wairwulf, muito disso tendo pra base as trocas que faço com eles e com meu irmão. Por isso talvez alguns me veem como anarquista entre os vampiros. Não nego essa rebeldia e acredito que ela seja necessária, principalmente diante todo o contexto de opressão e controle que falei anteriormente.

    “Ai lá vem o Ferdinand com os papos revolucionários!” Sim, o site aqui não serve para história bonitinhas de “sonhos com vampiros” ou “meu amor vampiro” ou diario de um vampiro… minha intenção é sempre banhar vocês com a realidade. Sendo ela propícia as histórias boas ou ruins.

    Nesse contexto, fui em direção as terras antigas, onde esperava encontrar aquela vampira encrenqueira que em diversos momentos tem roubado meus pensamentos. Nem preciso dizer que isso e que vai ser contado nas próximas semanas já aconteceu. Então não adianta ir atrás de mim nem dela pelos locais que mencionaremos.

  • Uma vampira peculiar 

    Uma vampira peculiar 

    Como vocês imaginam, um vampiro tem o privilégio de frequentar diversos ambientes… Tempos atrás falei aqui do caos e da imersão que fiz em um centro antigo e hoje falarei de Margot. Nome fictício de uma dama da sociedade vampírica, uma letrada no meio artístico contemporâneo e capaz de contar histórias como ninguém. 

    Nosso contato mais recente merece o relato, haja vista a boa companhia. O bom papo e tudo o mais que nos aproximou naquela noite fria e chuvosa de outono. 

    Estava eu envolto em meus afazeres administrativos, quando recebo a visita de um pardal. Ele bicou a janela por alguns instantes e quando se cansou ficou ali sentado me aguardando no peitoril. Ele possuía um bilhete amarrado em uma das patas e neste um número de celular. Era um papel simples, desses de impressora, que fora rasgado com pouca precisão. Porém, o número estava escrito com uma letra muito bonita, das que hoje em dia chamam de lettering.

    Obviamente minha curiosidade falou mais alto. Salvei o número no smartphone e logo de cara vi que era também um número de Whats, por onde mandei um áudio: 

    “Quem és tu e o que procuras?” 

    Falei em tom simpático, ansiando um retorno breve. Todavia, este demorou… Passadas algumas horas, onde inclusive já havia esquecido do contato, quando recebi a primeira notificação. Era Margot, naquele tom de mulher mais velha e que fumou muito: “Jovenzinho, que confortante ouvir a conjugação verbal perfeita. Terias tu, tempo para um encontro em meu ateliê? Estaremos em poucos, mas tua companhia sempre me revigora…” 

    Aquele convite mexeu comigo, tal qual sempre que falo com Margot e tratei de responder o mais breve possível. Fiquei inclusive ansioso para tal encontro. Haja vista que a vampira sempre aproxima figuras conhecidas em eventos pomposos. 

    Um convite especial merece um presente significativo 

    Na noite seguinte recebi o convite. Este sim era muito bem trabalhado, num papal ornamentado e possivelmente feito manualmente. O lettering harmônico era o mesmo da escrita do bilhete e para finalizar ele possuía um perfume singular. Algo que me lembrou madeira e algumas ervas muito conhecidas na sociedade vampiresca, aquelas mesmas que alguns que alguns clãs ofertam aos novos membros na transformação. 

    No tempo que antecedeu o evento eu pensei em algumas opções de presente para minha amiga. Viajei em algumas opções, mas um contato conseguiu o roteiro original de uma peça teatral conhecida. Aproveitei para fazer propaganda e embalei junto também um frasco do elixir que estamos produzindo em parceria com o Julian

    Na noite do evento, vesti-me de acordo com a ocasião e levei Pepe como companhia. Ela estava desconfortável com a roupa chique, mas muito bem arrumada e linda do jeito dela. Achei importante embarcá-la em tais momentos. O motorista nos pegou no horário marcado e e fomos levados a uma propriedade no centro antigo. O prédio na superfície era novo, mas o evento seria em algum dos subsolos. 

    Alguns seguranças protegiam a entrada, vampiros em sua maioria, mas confesso que também senti a presença lobisomem. Algo compreensível se analisarmos a grande quantidade de aliados que Margot possui. Ela me serve de modelo nesse quesito, inclusive. 

    Um lugar amplo, charmoso e aconchegante. 

    Logo na saída do elevador aquele mesmo perfume do convite nos indicou que haviam pensado em cada detalhe. Das mesas, aos candelabros e espaços separados por cortinas na forma de tenda. 

    Uma vampira pegou o presente e o guardou com muito esmero. Em seguida nos levou até uma das tendas onde Margot os aguardava. Ela foi muito querida desde aquele momento. 

    – Jovenzinho, senti sua presença desde o elevador. Venha e de um abraço gelado nesta velha. 

    Sabe aquele sentimento de encontrar uma tia? Margot parece-me como tal e Pepe sentiu a mesma coisa. 

    Saímos de lá com vontade de permanecer mais tempos junto dela e de todos os outros que apareceram para “dar um abraço”. Lembramos de momentos históricos, discutimos as sociedades humana e vampiresca e novos laços foram feitos. 

    Proveitosamente, os encontros promovidos pela vampira, são momentos em que me sinto a vontade e despreocupado. Nessas raras ocasiões podemos sair dos problemas, desfrutar de bons papos e ampliar a cultura. Pena que dure tão pouco tempo. 

    Um tempo depois ela me mandou o passarinho com outro bilhete: “Onde consigo mais desse maravilhoso elixir?” 

  • Depois do lixo

    Depois do lixo

    Eis que o tempo no lixo havia passado e na noite seguinte eu procurei um local mais amistoso. Bairro misto com comércios e prédios residências, muitas pessoas circulando pelas ruas, até perto das 23h e o mais importante: limpo! Por vezes eu vi circulando alguns moradores de rua, mas ninguém que ficasse pela região mais de algumas horas.

    Que saudades de uma boa ducha a gás!

    A pressão d’água certamente limpou meus poros e os resquícios de quaisquer sujeiras que eu pudesse ter trazido comigo. Inclusive aproveitei o tempo para comprar algumas roupas novas, mas nada que saísse do habitual jeans e camiseta. Outro ponto. Alto daquela noite foi o corte de cabelo e barba.

    – Quem é vo… Ah desculpa senhor, pode entrar. – Comentou o porteiro do prédio, achando que eu era outro cara, após a “tosa”.

    Gosto de tempos em tempos de mudar um pouco as coisas. Porém, o povo mais humilde, que beira a marginalidade sempre me impulsiona criativamente. Os mais abastados estão sempre preocupados com suas rotinas, seus empregos fixos, família ou roda de conhecidos.

    Diferente dos “pé rapados” que não sabem onde vão cair mortos ou como vão ter grana pra comer ou pagar, na melhor das hipóteses, um aluguel. Essa classe precisa ser criativa todos os dias, seja para agir legalmente ou ilegalmente. Tanto nas vendas, como no trato com os outros.

    Inclusive, a estratégia de sobrevivência ao longo dos anos, depende muito disso. Pois ter contatos em ambas as classes favorece o relacionamento. Se relacione ou morra! Diria um conhecido meu. Algo que faz muito sentido quando a gente precisa se alimentar, conseguir algo diferente. Principalmente resolver problemas.

    Filosofia a parte, a mudança foi benéfica para minha organização mental. Trouxe novos ares e estes agora ajudam a revisar os materiais. Tenho levado a sério quem falou: “Escreva com vinho e revise com café” rss

  • Noites atrás

    Noites atrás

    Algumas noites se passaram desde o momento em que fiz uma imersão em minhas andanças passadas. Isso foi de extrema importância para que eu pudesse refletir e até mesmo concentrar-me para produzir alguns escritos. Foram noites desapegadas num quarto de hotel barato, salvo uma dessas, onde a condição vampiresca me obrigou a procurar sangue.

    Novidade nenhuma até então, mas por se tratar de um tempo que eu não publicava nada e rolaram uns lances diferentes, resolvi “aparecer” por aqui.

    Depois de mais de três meses morando no hotelzinho, eu já conhecia a região. Havia conseguido inclusive dois doadores amistosos. Uma cara que faz entregas de bike pela região e se mostrou afoito por experimentos genéticos clandestinos e uma puta. Eu deveria ser mais polido e chamá-la de garota de programa, meretriz ou qualquer outra coisa, mas é difícil descreve Fátima, uma velha guerreira noturna das ruas.

    Fato é que nenhum dos dois estava disponível naquela fatídica noite e precisei ir a caça. Numa pracinha eu vi um casal se pegando no escuro, mas havia muitas câmeras. Num beco tinha alguns craqueiros, porém fui desaconselhado, haja vista que muitos vizinhos tem filmado os pobre coitados para hypar videozinhos no Tic Toc. Ainda tinha uma terceira opção, que seria a velha tática de conquistar alguém e levar pra algum canto.

    Preguiça a parte, liguei para o prefeito vampiro da cidade, que me indicou um lugar especial, chamado Boca Louca.

    Chegando no estabelecimento procurei o gerente e me identifiquei. Ele me deu uma pulseirinha de cor fluorescente “de balada” para pôr no pulso e indicou uma porta. Tal porta dava num corredor apertado, onde um elevador fora escondido.

    Desci meia dúzia de andares e lá rolava um bar com mesas, poltronas acolchoadas e intimistas. Havia também um palco com pole dance, mas ao invés de ter alguém dançando, estavam lá um cara com violão e outro atrás de um macbook. Eles faziam um som diferente, que me lembrou muito os dark folk, no qual ouço costumeiramente quando vou para certos locais da Europa.

    Um lanche apropriado

    Sentei-me, fiquei ali degustando aquele som sujo, repleto de poesias baratas. Até que uma dama se aproximou e perguntou se eu queria algo. Entendi que sua função seria algo próximo de uma garçonete e lhe pedi o cardápio. Ela Só apontou um QR Code no porta guardanapo e ia se virando, quando segurei sua mão. Senti o calor de sua pele e ela obviamente sentiu o frio da minha.

    – Ah se tivesse falado que queria sangue bastava dizer (pausa) senhor! – Respondeu ela num tom pobre de emoções

    – Se tiver quente, seria do meu gosto – Apertei um pouco sua mão.

    Ela puxou e se soltou com desenvoltura. Deu-me as costas e foi para o balcão. Lá ela abriu uma geladeira, pegou uma bolsa de sangue e trouxe até minha mesa.

    – Servimos apenas gelado (pausa) senhor!

    – Certo, abra-me uma conta, por obséquio e traga-me uma taça, se não for pedir muito?!

    – Claro (pausa) senhor!

    Degustei cinco bolsas de tipos sanguíneos variados. Alguns indivíduos tentaram puxar assunto e um deles inclusive tentou me vender drogas, pessoas e objetos de procedência duvidosa. Guardei seu cartão e o endereço de seu portifólio na Deep Web para qualquer eventualidade.

    Sem que houvessem outros contatos e já alimentado sai do antro e voltei para o meu cafofo. Na rua, o cheiro de urina, lixo e vômito completavam o ambiente. Transitei entre os bêbados cansados e as putas que jaziam do labor soturno.

    Cansei-me.

    Já estava na hora de mudar os ares, apesar da variedade e diversidade dos meus vizinhos.

  • Uma noite com os vampiros

    Uma noite com os vampiros

    Eis que meu amigo Julian veio me visitar na fazenda. Todos os preparos foram feitos conforme as regras de nossa sociedade vampírica e ele pode vir de seu refúgio sem quaisquer problemas no percurso. Chegou pensativo, mas no jeito dele:

    — Te falar que eu achei que eu iria me cagar todo viajando de avião novamente.

    — É o tipo de coisa que não podemos evitar, meu amigo. — Respondi.

    — Ah para de frescura, chega mais e leva tuas coisas lá naquele quarto, hoje a noite promete. — Falou Franz, sendo prático e já empurrando praticamente Julian para o seu cômodo.

    Ele arrumou seus pertences e passou um tempo no sofá mandando mensagens pelo smartphone. Em determinado ponto Pepe aproveitou pra “gastar” seu inglês e também trocou uma ideia com ele. Perto das 11h30 daquela noite saímos para um evento montado por Franz.

    Lugar simpático e com convidados selecionados. Obviamente, a presença feminina era maior, numa escala de 3×1 pela minha avaliação. Sobretudo, o que mais me chamou atenção do lugar, um clube que até onde eu tinha conhecimento estava abandonado, foi a decoração latina. Algo numa pegada meio caribenha, tropical.

    — E ai o que acharam do lugar? — Perguntou Franz empolgado.

    — Amazing, great… — Acho que Julian repetiu mais meia dúzia de adjetivos e estava vidrado numa negra com pouca roupa que nos recepcionou.

    — Incrível Franz. Olha o gringo ali, não sei se ele curtiu mais a garota ou o lugar (risos). Vem cá, isso aqui é novo ne?

    — Sim maninho, construíram nos últimos meses, tô pensando em montar um escritório lá nos fundos.

    — Hey, pera o lugar é teu? Veja só… achei que só tava por ai vagamundeando!

    — Caralho, que imagem a minha heim (risos). Bora lá que tá reservado pra gente

    Mezanino ou camarote?

    Em seguida, subimos para um mezanino, que era um canto mais reservado com mesas, cadeira puffs e uma parede com prateleiras repletas de bebidas. Então, a cada detalhe Franz nos falava de onde havia tirado ou de onde vinha a ideia…

    — Sabe aquele seriado Lucifer, a parede ali de bebidas foi inspirada naquela do apê dele. Essa mesa veio de um bar que eu visitei na Jamaica e os puffs eram de um Iate onde fiz uma festa anos passado em Mônaco. Cara aquela festa foi boa heim!

    — Sem palavras Franz, fazia anos que não te via tão empolgado com algo.

    Ele apenas consentiu com a cabeça e deu um sorrisinho.

    — Muito bom gosto Franz, inclusive aquela preta…

    — É a Rita, uma Ghoul minha, já adianto que ela tem sangue quente, meu amigo. Inclusive acho que ela se vira no inglês heimm!

    — Fuck yeah, baby! Mas antes toma aqui. O Ferdinand experimentou comigo outra noite e eu trouxe uma misturinha nova pra vocês.

    Julian abriu a mochila, dentro havia uma pistola, sua carteira, documentos e o squeeze de metal que ele nos entregou. Diferente da outra essa tinha um aroma forte de canela, no qual ele me instigou a decifrar, após eu gastar um pouco da minha energia ativando o olfato.

    A primeira noite seguiu desse jeito, com o Franz contando mais histórias do que pretendia fazer com seu clube, com Julian tentando algo com as funcionárias da casa e comigo curtindo aquela bela misturinha.