Autor: Jean Felski

  • Trabalho para o vampiro: sobrenatural

    Trabalho para o vampiro: sobrenatural

    Aquela presença sobrenatural, estava estranha demais e muito fora de contexto. Pepe, sentiu algo também e quando lhe pedi para fiar aguardando, ela coçou a cabeça e concordou. Depois disso, quando eu dei dois passos na direção do que havia lá ela comentou, algo completamente aleatório: “Eu goto da Lua em noites de verão”. O pior é que eu apenas acenei com a cabeça e continuei, dando pouca atenção para o que ela disse.

    Alguns passos depois alguns pensamentos estranhos vieram até mim, como algo estivesse tentando me dizer algo e ali eu tive grande vantagem sobre o que estaria prestes a ver. No alto de uma árvore imponente. Cerca de uns 5 ou 6 metros do chão havia um homem. Ele reparou que eu estava próximo e foi gentil:

    – Quem seria o viajante que eu vejo ao longe?

    Aquilo era muito fora de contexto, mas seu jeito amistoso mereceu reciprocidade:

    – Eu venho em busca de respostas. E o senhor o que faz ai em cima, precisa de uma ajuda para descer?

    – Não se preocupe viajante, estou tranquilo aqui, mas se lhe agrada eu posso descer.

    Alguns galhos da árvore balançaram, folhas secas caíram, mas não consegui observar a movimentação do que eu julgava ser um homem. Eis que em alguns segundos depois eu percebi um rosto, um corpo e dois braços, mas a parte inferior da barriga para baixo estava dentro da árvore, como se ele fizesse parte dela. Outros pensamentos estranhos vieram até mim, como o fato de eu ter a impressão de estar com fome, quando não estava e uma vontade muito grande de comer uma fruta bem doce.

    Um sobrenatural diferente

    Apesar dos pensamentos estranhos a criatura continuou amistosa:

    – Viajante, se eu não souber as perguntas eu não posso lhe dar as respostas.

    – Certo, você conhece uma mulher chamada (de o nome da influencer).

    – Sim, o que você quer com ela.

    Percebi que ele tinha mudado de tom, mas continuei e resolvi insistir numa provocação para avaliar melhor o que ele tinha com ela:

    – Ela é uma mulher má e algumas pessoas tem desaparecido por causa dela.

    Nesse momento eu percebi que suas expressões ganharam rubor e ele estava de certa forma bravo com o que eu lhe havia dito. Mas ele continuou sendo amistoso na forma de falar.

    – Ela não é má, outras pessoas são ruins e eu ajudar ela a se proteger. O que você quer com ela?

    Raciocinei que provavelmente estava diante de algum demônio ou algo do tipo, então a tratativa deveria ser muito diferente. Contive a vontade de provocar e apenas concordei com ele.

    – Sim, você é bom para ela então. Vou seguir viagem e te deixar descansar.

    Nesse momento o corpo humano virou árvore e ele se unificou com ela. Achei que ele se recolheria e foi um erro… fui surpreendido por uma pequena explosão de galhos e cascas da árvore. Parte daquilo chegou a me machucar, senti perfurações nos braços e em parte do rosto. Um pouco de sangue escorreu depois disso antes da regeneração.

    Em seguida algo passou por cima de mim e em seguida parei de sentir sua presença. Ouvi passos, mas era apenas Pepe que ouviu o barulho e veio na minha direção.

    – Tudo bem Fê?

    – Vamos nos esconder naquele outro ponto que combinamos, antes que algum segurança ou outra coisa sobrenatural apareça por aqui…

  • Trabalho para o vampiro: cerimônia

    Trabalho para o vampiro: cerimônia

    Tive um descanso conturbado naquela tarde de sexta-feira e afoito para a tal cerimônia. Sabe quando a gente fica com algo martelando na cabeça e todos os pensamentos te levam pra aquele bendito foco? Seja humano ou sobrenatural a pagada acaba sendo a mesma. Afinal, todos temos preocupações, anseios e vontades. No fim das contas é essa inquietação que movimenta tudo, não é mesmo?

    Motivado pelos direcionamentos que planejamos, eu foquei nos detalhes da cerimônia, me vesti da forma mais adequada, revisei os equipamentos e já estava praticamente pronto quando Pepe acordou. Não é novidade nenhuma para ela, essa minha ansiedade e é algo que ela sempre me estimula a controlar. Mesmo assim, ela arrumou uma brecha para tirar uma comigo.

    – Hey, mas já tá pronto? Arrumou as minhas coisas também, resolveu tudo e podemos voltar lá pra “casa”?

    – Relaxa, a tua parte tá ali te esperando. – Falei sem dar muita atenção a leve brincadeira.

    – Nossa alguém nem dormiu pelo visto. Credo, tá com fome, quer um abraço?

    – É foco vampirinha, mas dormi mal sim. Tô com a cabeça cheia de preocupação, pra evitar o perrengue que passamos outra noite.

    Ela ponderou por um tempo, evitou responder com outra piada e falou algo que me fez ter orgulho, algo quase que de filha para pai.

    – Sabe Fê, eu entendo os perrengues e por mais que a gente esteja a pouco tempo juntos, se comparar ao seu tempo de existência. Só que nesse tempo a gente já passou por muita merda juntos e você tem sido um bom mestre. Tem dedicado tempo pra me ensinar e passar os teus conhecimentos. Tanto que poxa, eu que salvei tua cabeça dias atrás, então confia em mim e no H2. A gente vai resolver essa.

    – Acho que vou aceitar o abraço heim!

    Ela soltou um “aff”, levantou-se ainda de pijama e me deu um abraço. Retribui o carinho e depois terminarmos os preparativos. Instantes depois, as mesmas duas batidas secas na porta, era H2. Consigo ele trouxe uma chuva forte, que coincidentemente encharcou e criou poças por toda a redondeza.

    Foco na cerimônia

    Repassamos os planos, combinamos eventuais ações secundárias ou remediativas, caso algo de errado ocorresse e partimos para o local do evento. Era algo em torno de umas 20h quando nos separamos. H2 seguiu adiante com o plano de se infiltrar como convidado e fomos com outro carro por fora do sítio, com o intuito de invadir caso realmente a influencer estivesse por lá. Se tudo ocorresse conforme planejado, seria um banal sequestro relâmpago. Algo no qual levaríamos a influencer para algum local e ali sabatinar a mesma em função de todos os desaparecimentos. Algo que a polícia diz já ter feito, mas que descobrimos ser manipulado.

    Planejamento que mudou ao chegarmos perto da propriedade. Cara, como eu queria que alguns planos descem certo igual ao que a gente pensa! Chegando lá comecei a sentir algo estranho e perguntei se Pepe sentia o mesmo, ela disse que sim. Apesar disso, seguirmos para o local marcado com H2. Era uma área remota, já dentro do sitio e em meio as arvores havia algo diferente,

    Pela redondeza havia também alguns seguranças e um deles quase no viu, mas a agilidade vampiresca falou mais alto e por sorte ele era humano. Mas aquilo ali estava esquisito a presença parecia ser algo sobrenatural e com certeza era antigo, talvez não fosse poderoso, mas certamente era antigo. Ali aconteceu a primeira mudança de planos onde Pepe ficou de vigia e fui o mais perto que pude da presença.

  • Trabalho para o vampiro: novo plano

    Trabalho para o vampiro: novo plano

    Com a emboscada e chegada de H2 tivemos a necessidade de montar um novo plano. Eu já estava recuperado e alimentado graças a disponibilidade da Melissa, garota de programa e doadora de sangue, que se tornou uma aliada importante na investigação sobre a influencer e sua seita. Inclusive a nossa “sumida” por uns dias e noites foi importante para que recebêssemos mais informações sobre os policiais corruptos, vampiros e ghouls que nos confrontaram recentemente.

    Preciso dizer o quão puto eu estava? Sim, preciso. Cara, eu fui surrado de uma forma que não me acontecia a anos. Também, fui descuidado, andando com munição normal e achando que lidaria apenas com humanos pilantras. Sobretudo, também deixei Pepe a mercê dos safados e sabe-se lá o que teriam feito com ela, caso também tivesse recebido o tratamento que me foi dado. Contar com a sorte, não é e nunca deve ser um ponto de vantagem.

    Entretanto, eu subestimei o inimigo. Muito provavelmente a ”influência da influencer” é maior do que eu imaginava, mas também isso é um mundo novo para mim. Como pode alguém que publica vídeos nas plataformas sociais consegue movimentar tantos seguidores? Na literatura, Lestat tentou isso e deu no que deu, mas será que teria ela seguido esse plano tão manjado? Ou melhor será que ela seria uma vampira ou algum ouro tipo de sobrenatural?

    Um novo plano de fato

    Concentramos a investigação nessa nova hipótese. Pepe, vasculhou tudo o que pode na internet, deep web e inclusive praticou alguns hacks. H2 trocou de roupa, ficou menos chamativo e tomou minha posição de campo. Circulou. Com os devidos cuidados, pelos locais aonde e eu já havia ido e em alguns novos, incluindo a tal penitenciária. Passamos algum tempo nessa rotina até que novas hipóteses surgissem.

    Eis que para a surpresa de ninguém, sim, a influencer tem uma conexão com o sobrenatural. A seita como um todo possui e aquilo que Carlos havia me trazido como suposições, tinham um pouco de sentido. Pepe, confirmou algumas das teorias ao interceptar alguns comentários da influencer, que deixou passar intencionalmente ou não, diversos preceitos até então relacionados a uma entidade específica.

    A internet é assim, sei bem depois de todos esses anos escrevendo para vocês. Imagine se eu indicar onde tem um vampiro conforme muitos me pedem. Imagine se eu falar onde tem um coven ou onde uma matilha se reúne. Tem algumas regras que todos precisam ter ao acessar tal ambiente aberto para o mundo, mas isso é outro papo.

    Uma cerimonia diferente

    Enfim conseguimos descobrir quando seria o próximo encontro da seita e lapidamos o plano ideal para investigar melhor o que ocorria ali. Se era proporcionado algo que tomasse a vida dos desaparecidos ou apenas palco de consumo de Ayahuasca pelos frequentadores.

    Uma forte chuva ocorreu naquela semana, ouvimos que muitos carros atolaram pela região da cerimônia, mas em nenhum momento se ouviu falar cancelamento. Inclusive a propaganda a cerca do comparecimento da influencer havia sido reforçada as vésperas do evento.

    De peito aberto, agora com as devidas armas preparadas e um plano fomos apra o local do evento. H2 iria entrar como participante da cerimônia. Pepe e eu ficaríamos na espreita e com todos os ouvidos sobrenaturais atentos. A menor oportunidade que exista seria o gatilho para confrontar cara a cara a influencer.

  • Trabalho para o vampiro: resgate

    Trabalho para o vampiro: resgate

    Acordei bem e ao que indicava um resgate havia ocorrido. Estava numa cama de casal confortável e um cobertor fora improvisado na janela para me proteger da luz. Senti presenças sobrenaturais, inclusive a de Pepe ao redor. A cabeça não doía, mas havia cascas de sangue seco no travesseiro e na roupa que eu utilizava. Era a mesma que utilizei quando fomos emboscados, apenas meus tênis haviam sido deixados aos pés da cama.

    Além disso, minha mochila com trecos pessoais estava sobre uma cadeira e cara, aquilo estava muito estranho. Me pus de pé. Estava fraco e com fome, com certeza minha reserva de sangue foi consumida na regeneração e eu precisava de sangue o mais breve possível. A porta estava entreaberta, o espaço era pequeno e ao sair do quarto me deparei com Pepe sentada num sofá simples com o Macbook no colo. Na varanda, fumando um cigarro, estava a garota que nos doou sangue outro dia.

    – Porra até que enfim Fê! Achei que ia precisar chamar os velhos (Franz, H2 ou Sebastian) pra fazer um resgate aqui. Cê tá bem, mestre?

    – Calma, deixa eu se sentar aqui nessa cadeira e você me conta o que houve…

    – Claro, claro de boas… Inclusive a fome deve tá punk e pedi pra Melissa dar um pulinho aqui.

    Alimentação e resgate

    Ela soltou a fumaça, apagou o cigarro numa latinha de cerveja e soltou um simples, mas cativante: “E ai vampirão”. Depois disso ela puxou a outra cadeira que havia ali, sentou-se quase que de frente para mim e afastou os cabelos para trás. Dando a iniciativa necessária para que eu visse as lindas veias saltadas de seu pescoço branquinho. Alimentei-me.

    Alguns segundos depois ela desmaiou, tratei de segurá-la como pude para que não caísse e com as forças recuperadas a levei para a cama onde eu estava. Voltei para sala onde Pepe me descreveu o que havia acontecido. Fomos atacados por vampiros fracos ou Ghouls, ela não soube descrever, as eles possuam poderes relacionados a silêncio e força bem acima da média dos humanos.

    Ela também foi emboscada e arrastada para o mato, onde conseguiu se livrar do primeiro que a puxou pra fora do carro, o segundo quase a prendeu, mas um tiro sortudo num dos olhos facilitou o combate. O terceiro estava com o pescoço estourado, era mais forte que os demais, só que estava te carregando e foi um alvo fácil, diz ela.

    – Poxa te treinei bem vampirinha! Orgulho do pai (risos) e esse lugar aqui?

    – A garota ali, a Melissa que me indicou, é uma pousada isolada. Eu liguei pra ela quando consegui juntar nossas coisas e você num carro. Ai fui até o lugar lá que a gente conheceu ela e viemos pra cá. Ela merece um bônus pela ajuda heimm.

    Novos planos

    Surpreendentemente, a situação havia tomado um rumo diferente e com muita rapidez. “Os planos são outros agora” Comentei com Pepe. A maior preocupação era que os vampiros da região, até então aliados haviam mudado de time. Então, mandei uma mensagem puto da vida para aquele que havia sido simpático anteriormente. Alguns minutos depois ele mandou um áudio pedindo desculpas pela recepção na cidade e deixou claro que não era ninguém do seu grupo.

    Fato é que precisamos rever a situação e chamei reforços. Pedi que Franz liberasse H2 de seus afazeres. Ele ficou meio puto, pois o velho estava cuidando e uma coisas pra ele, mas o liberou por uma semana. “Pow maninho, tu precisas arrumar outras brincadeiras, por que não monta um puteiro ou vai cuidar sei lá ajudar um asilo…”. Errado ele não estava, mas isso é um pensamento para o Ferdinand do futuro.

    Na noite seguinte, senti uma presença pelo lado de fora, seguida de três batidas secas na porta do quarto. Abri com cuidado, mas lá estava o velho H2 com sua roupa militar, o crucifixo exageradamente grande no peito e uma bolsa cheia de “brinquedos”. Com as sobrancelhas altas e peludas, além do sorriso recheados de dentes muito brancos ele foi direto:

    – E ai senhor Ferdinand, foi aqui que solicitaram meus serviços?

  • Desabafo, dos meus desabafos

    Desabafo, dos meus desabafos

    Esse #FanArt foi enviado pela Bia e achei que a música a seguir combina.

    Desabafo, dos meus desabafos, é controlar a melancolia, que no meu peito acaricia as tantas emoções, ela somente queria, um pouco mais de harmonia e menos decepções, nos olhos dela escorriam salgadas gotas de agonia, e todas ela engolia, sem menos objeções… 

    Só ela, somente ela sabia o que ela sentia em meio a tantos turbilhões.

     Sentimentos… instalados no meio de suas emoções.

    Ela só queria calmaria, em meio a mares de confusões …

    Ninguém a queria, até ao ponto de querer deixar de existir, “se lembra do quanto era bom aqui” ?

    “Era tão bom, sim, era muito bom, lembro também disso”!.

    Me senti parte algo, mas logo tudo foi despedaçado em meio a tantas desilusões…

    O peito ardia, só ela sabia o que ela  queria, a sua janela interior ela abria, o temporal lá dentro dela caía, janela do peito, despedaçado…

    Tão dilacerado por seus segredos tão guardados, que não dirá, nem tampouco deixará de ter as suas decisões, a liberdade em sua alma, se espalha, e ao mesmo tempo se acalma em tantas situações, veja como ela é calma, ao mesmo tempo ela explode em suas próprias confissões…

    Ela vai voar, buscar o seu lugar, lugar que traga paz ao invés de arranhões, as feridas da vida, às vezes sofrida, ela cicatriza com suas próprias convicções, ela quer tudo, ela quer nada, muitas vezes desesperada, as vezes calma, ela só quer calma… 

    Devaneios da alma.

     Devaneios de  sentimentos confusos …

    Obscuros, do nada, boca calada, vontade de gritar, um grito ! silencioso, que só ela mesma poderia escutar ! 

    Devaneios dessa mente confusa, que fez a esse poema criar… 

  • Trabalho para o vampiro: refúgio

    Trabalho para o vampiro: refúgio

    A noite veio e com ela a necessidade da mudança do nosso refúgio. Pepe até que conseguiu descansar um pouco, eu passei aquele final de tarde fazendo ligações, procurando um novo local e juntando nossas coisas em algumas mochilas. Perto das 21h saímos. Olhamos duas, três ou até quatro vezes para ver se não havíamos esquecido nada. Colocamos as coisas nos carros, depois fiz checkout e fomos para o novo refúgio.

    Circulamos pelas ruas centrais por um tempo e depois entramos nas escuras e desabitadas vias rurais. Em determinado momento eu lembro que o carro de Pepe vinha logo atrás, mas seus faróis se apagaram de abrupto. E tudo o que ouvi com a minha audição aguçada foi uma longa freada e o arrastar dos pneus pelo asfalto esburacado. Parei no acostamento, abri os vidros e antes de descer dei uma boa ouvida no ambiente, mas apenas as cigarras e sapos se divertiam naquela noite.

    A meio caminho do novo refúgio

    Desci e corri o mais rápido que pude em direção ao outro carro. A porta do motorista estava toda torta como se algum acidente tivesse acontecido. Pepe não estava ali e eu sentia sua presença sobrenatural de uma forma muito fraca. Na hora eu pensei o pior, puxei as duas pistolas, que sempre estão engatilhadas e apenas as destravei. A medida que fazia isso eu tentava sentir se havia mais alguém ali, mas meus sentido estavam bagunçados.

    Perambulei por todos os lados, até que fui atingido na cabeça por algo. Fiquei tonto… Tudo ficou meio escuro e eu lutei com todas as minhas forças para me manter atento, mas as coisas começaram a acontecer em flashes. Eu piscava, levava socos e chutes. Então piscava novamente, cara, aquilo não parecia ter fim. Foi quando tentei minha transformação bestial e algo bloqueou o uso completo dos meus poderes.

    Em determinado ponto e depois de atirar para qualquer lado em vão as armas travaram sem balas e eu estava sendo jogado de um lado para o outro e aquilo não parecia ter fim. Mas tudo tem um fim ou uma pausa. Inicialmente, um deles já estava ofegante e parou. Os outros continuaram o espancamento e eu já estava no chão em posição fetal, apenas protegendo a cabeça, quando alguns tiros foram dados próximos a nós. Um deles soltou:

    – Caraio Altair, vai lá vê se a menina ta dando trabalho pro Osias! – Disse um deles.

    Uma breve pausa na surra

    Foi a pausa que eu precisava para ter alguns segundos de regeneração e recuperação dos sentidos, que começaram a voltar aos poucos. Por entre os dedos, que encobriam a minha cara, eu percebi a saída do tal Altair e havia só dois ali comigo. Decidi aguardar mais alguns instantes antes de tentar fazer algo, um deles ainda recuperava o fôlego e mesmo que falou antes falou novamente:

    – Esse ai já era, recupera logo essa merda de fôlego e vai lá pegar a corda, anda porra!

    Foi tempo ideal para eu me recuperar e na primeira piscada que ele deu eu me desvirei, me apoiei com um dos braços e pulei nele. Foi um ataque de improviso e descoordenado, mas suficiente para que ele caísse abaixo de mim. Ele era mais forte que um humano normal e tentou me segurar com algum tipo de manobra marcial, talvez jiu-jitsu. No entanto meus quase 100 quilos e a força sobrenatural foram suficientes para que minha boca se aproximasse de seu pescoço.

    Na primeira mordida eu arranquei parte da pele e alguns nervos, o sangue jorrou! Bebi o que pude, mas ele ainda resistia. O primeiro gole desceu queimando, o segundo não queria descer e começou a dar ânsia, seguida por um inevitável vômito. Era um sangue vampiresco diferente, algo que eu não conseguia consumir e foi ali que ele se soltou e recebi a segunda batida na cabeça.

    Mais flashes e fui amarrado. Outros flashes, eu fui arrastado e tentei me soltar. Um último flashe… recebi uma última cacetada na cabeça.

    Apaguei.

  • Trabalho para o vampiro: uma seita

    Trabalho para o vampiro: uma seita

    É normal em investigações a gente ir de um lado ao outro, encontrar uma seita, um grupo, ou mesmo indivíduos, em prol de algo que machuque outros. Isso vem dos primórdios, onde se sacrificavam virgens para os deuses para uma melhor colheita. Para se obter a força daqueles que foram derrotados ou ainda por simples e mero prazer.

    Quando focamos num  grupo ou seita, o papo muda um pouco. Continuamos atrás de indivíduos que buscam algo, mas isso é amplificado pelo coletivo. De acordo com William James, quando duas pessoas se encontram há, na verdade, seis pessoas presentes: cada pessoa como se vê a si mesma, cada pessoa como a outra a vê e cada pessoa como realmente é.

    Sobretudo, lidar com uma seita requer cuidados especiais, ainda mais numa cidade pequena e foi ai que as coisas apertaram.

    Polícia ajudando a seita?

    Na tarde do próximo dia dormíamos e o telefone do quarto tocou. Era da recepção do hotelzinho e a moça estava assustada. Um casal de policiais gostaria de subir ao quarto para uma verificação.

    Autorizei a subida, acordei Pepe e deixamos os documentos a mão. Três batidas firmes na porta e de prontidão abri.

    – Sim, pois não. A que devo a visita? – Falei.

    – Boa tarde, sou a policial fulana esse aqui é meu colega cicrano, estamos investigando o sumiço do beltrano. Recebemos uma denúncia anônima de que um homem alto, que se diz amigo do beltrano esteve procurando por ele em seu trabalho e há uma suspeita que de possa ser o senhor.

    – Certo, senhora. Suponho que possua um mandado ou algo do tipo para vir até aqui com uma suposição e incomodar o descanso meu e da minha filha?

    – Veja bem é que a situação…

    Interrompi.

    – Tem ou não?

    – Não, mas…

    Eu ia fechando a porta quando o cicrano colocou a bota, para que eu não conseguisse fechar. Para o azar dele minha força estava a toda e continuei apertando. Cheguei a ouvir estalos da madeira, a medida que eu apertava e mantinha o olhar fixo nele. Obviamente seu pé começou a doer e ele soltou um gemido, seguido de um pedido: “Po-por-favor!”

    Parei a pequena tortura, reabria porta e soltei: – Sim, há mais alguma coisa em que eu possa lhes ajudar?

    Uma pequena ameaça

    O cicrano levou rapidamente o pé para trás e disfarçou a dor com duas pisadas fortes no chão. Segurou a dor e falou:

    – É bom cê larga de moage! A gente vai voltar aqui com os papel e cê vai vê!

    – Percebo um tom de ameaça no senhor? Entendo que caberia aqui um boletim de ocorrência por importunação e abuso de autoridade. Vou ter de me dirigir até o delegado de vossa comarca ou posso continuar meu descanso vespertino?

    Olhei fixamente o cicrano nos olhos, ele ficou intimidado, baixou a cara e puxou a fulana pelo braço, depois se viraram e foram embora.

    – Ferrou Fê, até a polícia tá envolvida nisso, e agora? – Soltou Pepe preocupada.

    – Relax, só vamos precisar ver outro hotelzinho e sumir um pouco. Pode descansar. Vou fazer umas ligações aqui e a gente já troca no início da noite.

    Reportei, a abordagem, os envolvidos e tudo mais que havia acontecido até então para meu amigo na PF. Fiquei até a noite vasculhando o mapa da cidade a procura de um local para a gente ficar.

  • Trabalho para o vampiro: fome

    Trabalho para o vampiro: fome

    Depois de brincar de humano, eu estava com fome e marquei um encontro com Pepe perto do galpão, onde havia encontrado os materiais relacionados ao culto do Santo Daime. Na estrada indo para o local havia alguns pontos de parada, onde estacionei o carro e fiquei no aguardo de minha cria.

    Minutos mais tarde comecei a sentir uma presença. Aquele sentimento de quando outro sobrenatural está por perto e nesse caso, com maior intensidade por se tratar de Pepe. Ela também veio noutro carro e parou logo depois do meu.

    – E ai mestre!?

    – Ué pra que essa formalidade vampirinha?

    – Zuera, só pra ver tua reação. (risos)

    – Sei, tais andando muito comigo (risos) mas olha só olha só fui até o bar que aquele cara que sumiu trabalhava. Troquei uma ideia com o pessoal lá e descobri que a ligação mais próxima dele com a zinha lá influencer é por causa da irmã que está presa aqui perto.

    – Irmã dela? Não entendi…

    – Dele, vou pedir a ficha dela pra saber o que ocasionou sua prisão.

    – Eita podia ter me mandado um whats pra falar disso, o que tem mais?

    – Tá com pressa? Vamos por partes aiii. Seguinte, tais com fome? Porque eu tô viu!

    – Não tava pensando nisso, mas se rolar algo eu topo, bora.

    – Eu troquei uma ideia com o pessoal, que vem para cá as vezes. Sabe que sou mó preocupado com o território alheio. Como brinde pela boa vizinhança, me falaram de um bordel aqui perto, onde há uma ou duas damas que mercadejam sangue.

    – Nossa, tá anacrônico hoje. Mercadejam é o que, tio?

    – Tio? Volta pro mestre que era melhor, que vendem sangue… enfim, bora lá ver isso. Ah e se der ruim já sabe, corre, que eu me viro.

    Lugarzinho simples, mas limpinho. Logo na entrada um barzinho com uns petiscos e uma velha com cara de poucos amigos atendendo no balcão. Na sua direita uma porta com aquelas cortinas de fita, que ao passar gruda em todas as partes do corpo e da raiva. Porém logo ali já havia três meninas com pouca roupa e sorriso de orelha a orelha.

    – Boa noite damas, senhoritas e garotas. – Cheguei no melhor estilo Franz, bom vivant e continuei – Quem das senhoritas se dispõe a nos doar um pouco de seu amor?

    “Doar amor” era a frase secreta que me indicaram e percebi que nenhuma delas reagiu ao que eu falei. Então, repeti em tom mais firme:

    – Doar amor (pausa) ninguém quer?

    Fiquei ali com cara meio de trouxa, por uns segundos até que alguém gritou dos fundos um tímido: “Eu… espera!”. Eis que surge uma outra garota, ela vestia preto e era pálida. Diferente das outras mais bronzeadas e meio indígenas. Essa tinha feições mais europeias e literalmente parecia fora de contexto.

    Percebi um burburinho entre as meninas com sua chegada. Mas a garota foi logo pegando no meio braço, me puxando para dentro e dizendo.

    – Oxi, esse é meu, suas rapariga! Venha você também se quiser, bonitinha. – Virando-se para Pepe.

    Ao que me parecia, era o quarto dela mesmo, com uma caminha de solteiro, uma cômoda com meia dúzia de Funko e alguns livros. Também algumas roupas jogadas, restos de comida num prato e como disse antes ela parecia muito destoada para o local. Fiquei curioso e perguntei:

    – Entendo que outros iguais a nós já trocaram uma ideia contigo antes?

    – Sim vampirão, fica tranquilo. Já vendi meu sangue para caras do teu tamanho.

    – Nem por isso senhorita, é que você me parece um pouco “longe de casa” aqui nesse lugar.

    – Ai, sabe quando a vida te dá duas varetas e alguém fala, faça um barco? Eu tô nessa vampirão.

    Curti a simpatia dela, bem na verdade tive um pouco de pena. Sobretudo, nossa fome foi saciada depois de alguns goles. A pobre coitada mal se aguentava em pé depois disso, mas ficou super feliz com o pagamento a mais que lhe dei.

  • Trabalho para o vampiro: sumiço

    Trabalho para o vampiro: sumiço

    Perto das 18h30 o sol já havia se posto a quase 1h e eu me vesti de forma bem simples para investigar o novo sumiço. Pus um boné de lona, botas de couro por baixo da calça Jeans surrada, uma camiseta qualquer e fui para a lanchonete onde o homem que sumiu trabalhava.

    Gosto de “madrugar” nesses horários, pois ainda há muita gente pelas ruas. Muitos saem do trabalho e aproveitam para movimentar o comércio antes de voltarem para suas casas. As lanchonetes ou bares se enchem nesses horários, onde as pessoas fazem o famoso Happy hour ou jantam antes de ir para suas casas.

    Lugar pacato, com dois atendentes naquela área de balcão, onde havia a popular estufa de salgados e freezer por baixo. Nas banquetas muitos aliviando a fome, trocando ideias de tudo um pouco. Encostei-me, e apenas observei o povo ao redor.

    – Vai o que chefe? – Comentou o atendente mais baixo.

    – Tô pensando em algo pra levar…

    – O pernil ta no ponto pra um lanche e tem um caldo de piranha novinho saindo.

    – Sei, faz um de cada pra eu levar, por favor…

    – É pra já!

    Enquanto esperava um casal do meu lado falava sobre o dia e como estavam cansados. Ele reclamava do chefe e ela tentava falar do dia dela, mas não tinha mita brecha. Noutro lado dois caras mais velhos, talvez na faixa dos 50 ou 60 falavam do campeonato brasileiro de futebol.

    Quando o atendente mais baixo voltou com o meu pedido eu pedi uma água com gás e um copo. Fiquei molhando a boca ao mesmo tempo que tentei puxar papo. Falei do cara que tinha sumido:

    – O fulano não tá ai hoje?

    – Ele veio trabalhar esses dias mas tava meio Jururu. Tá sumido, visse.

    – Sei, a gente joga bola e ele não apareceu também. – Inventei algo rápido.

    – É a primeira vez que te vejo aqui, mas se é chegado daquele bocó, fala que ele vai ser mandado embora se não aparecer.

    – É ruim né, quando o cara some do nada. Vai ver ele foi contrato pela fulana (influencer) e foi fazer videozinho no TikTok, só falam disso agora. – Gargalhei mais alto pra ver se chamada atenção do pessoal do lado.

    – Essa ai acha que manda aqui na cidade – Resmungou um dos senhores do meu lado.

    – É mesmo viu. – Comentou o outro.

    – Eu sigo ela em todos os lugares. – Comentou a mulher, interrompendo o monólogo do seu companheiro – E continuou – Vocês tão sabendo que agora ela tá ajudando o pessoal lá da Penitenciária central?

    – Tchá por Deus, ela só deve tá se aproveitando deles pra ganhar mais bufunfa. Comentou o atendente mais alto…

    E esse papo durou uns 20 minutos, descobri mais alguns detalhes sobre o jeito da influencer e dos negócios mais recentes. De um modo geral e para qualquer pessoa mais famosa, tinha os que apoiavam, os invejosos e aqueles que só viam o lado ruim do que ela faz. O importante é que na conversa descobri que o cara sumido tinha uma irmã presa no tal presidio. Teria isso alguma relação com o fato da influencer estar fazendo alguma ação por lá?

  • Trabalho para o vampiro: suposições

    Trabalho para o vampiro: suposições

    Em meio a descoberta de uma pista. Liguei para Pepe e comentei sobre o que havia encontrado. Ali ficou evidente ao menos um rumo inicial que devíamos dar a investigação. Indo atrás de outros que também possuam crachá ou alguma relação com o galpão e sua possível utilização como “Espaço de autoconhecimento”.

    “Pesquisei sobre os vampiros que vem aqui eventualmente e nenhum deles parece comprometer nossa estadia” Disse Pepe por áudio.

    Ainda faltava um vínculo maior entre os desaparecidos ou uma simples motivação, que fosse além do Santo Daime. O chá da um belo estrago no intestino e faz alguns perderem o juízo por minutos ou poucas horas. No entanto, não existem muitos casos de morte ou assassinatos relacionados ao chá. Havia algo pontual e maior, bem maior que ocorre todos os anos, mas o que?

    Liguei para Carlos, meu irmão lobisomem. Perguntei sobre a região se oferecia algum diferencial, onde algum propósito pudesse ser utilizado para algum fim. Sim, divaguei por ele por algum tempo. Isso no caminho de volta para o hotelzinho que pegamos.

    – Preciso fazer umas contas, usar umas tabelas… Vou falar com a Vera se ela me da algumas ideias também. A gente se fala em breve, irmão!

    No hotel revi algumas fotos e anotações que fizemos. Perto das 9 o sol já batia nas cortinas e por sorte longe das camas. Foi o momento de dar uma relaxada e descasar para a próxima noite. Pepe preferiu relaxa na banheira por algum tempo, ficou tanto lá que adormeci e a revi apenas na noite seguinte.

    Ao acordar revi as mensagens e havia algumas mensagens de Carlos, me contando as suas suposições. Sobre o local, em algum momento da história ele foi rota para os nativos sul-americanos, possivelmente A’uwē. Mais em específico talvez pelos Xavante e seus aliados. Esse povo e todos os outros dessa região foram muito reprimidos ao longo dos anos desde a chegadas dos Espanhóis e Portugueses.

    Apesar disso, ainda temos relatos de suas lendas mais populares, quase todas transmitidas entre as gerações oralmente. “Sabe se tem alguma tribo aí perto? – Perguntou ele.” Um fato curioso também trazido por Carlos é que a região fica em oposição exata no globo terrestre a região das Filipinas. Um local também riquíssimo em termos de lendas, costumes e tradições.

    Bacana e curiosas as suposições de Carlos, mas aquilo ali, sei lá parecia algo mais mundano. Eu devia estar divagando nos pensamentos. Entretanto, o segundo dia trouxe uma pressão maior: “Aparentemente teve outro sumiço ai na região. A polícia local registrou que um cara na faixa dos 30 saiu para trabalhar numa lanchonete e sua mãe reportou que ele não voltou depois de 24h”.

  • Trabalho para o vampiro: investigação

    Trabalho para o vampiro: investigação

    Com os papeis definidos e os principais locais mapeados, fomos cada um para um canto. Naqueles que me propus a verificar, comecei pela pedreira. Local que um dia já foi utilizado para retirada de sedimentos e atualmente é palco de shows. Nos dias normais é muito utilizado para aqueles que gostam de privacidade e natureza, se é que me entendem.

    Com o frio daquela noite havia poucos carros e dentre os frequentadores nenhum utilizou o espaço ao ar livre. Minha audição aguçada indicou apenas alguns gemidos ou safadezas ditas ao pé do ouvido. Fora isso, pelo local também não havia nada de suspeito, apenas lixo ou restos de alimento.

    Fui então para o segundo local. Um loteamento novo, que já possuía infraestrutura de vias e apenas duas casas prontas. Dizem que ali também é utilizado para os mesmos fins do local anterior e da mesma forma nada de suspeito.

    O terceiro local era na verdade dois: em parte havia um parque e nos fundos dele jazia o que algum dia foi uma olaria. A imensa torre da chaminé era o que havia de mais inteiro e o barracão ofertava poucas opções para investigação. Apesar disso, foi onde encontrei algo suspeito. No chão em algum momento foi desenhado algo circular, mas que fora muito bem apagado com alguma enxada ou rastelo.

    Além dos rastros de algum símbolo, também encontrei vestígios de cera de vela e meu olfato surrado indicou mais ferro que o normal naquela terra. Isso podia ser relacionado a algum depósito de materiais metálicos ou sim, pelo derramamento de sangue. O problema é que só havia isso. A antiga chaminé que seria o local mais óbvio para se queimar qualquer vestígio era muito inacessível para humanos.

    Já que estava ali, olhei dentro do forno na base da chaminé só havia ninhos de animais e o que um dia foi madeira ou carvão mineral queimados. Com essa pulga atrás da orelha quanto ao que havia sido feito ali eu parti para o último lugar. Um galpão já na área rural e coisa de uns 25km dali.

    No carro Pepe me ligou e contou que descobriu algo sobre um grupo de vampiros que frequenta a região eventualmente. Eles inclusive mantem um Ghul como gerente num bar bem localizado e frequentado. No entanto, ainda precisava de mais tempo para saber se seriam aliados. Nesse tempo cheguei ao galpão.

    Investigação pra que te quero

    Além do galpão o local possuía uma meia dúzia de outros prédios. Provavelmente, nos últimos 50 anos o local fora utilizado como espaço para alguma empresa e suas salas, agora saqueadas ainda resguardavam papeis, calendários, armários. Todos em sua maioria revirados em busca de algo de valor ou vandalizados. O que me chamou atenção ali é que havia uma cerca tímida protegendo algumas partes e alguns cadeados novos reluziam as luzes de pequenos postes modernizados com lâmpadas de LED.

    Algumas câmeras também foram instaladas e por pouco não fui pego numa. Prestei muita atenção daquele ponto em diante, tanto que resolvi fazer uma investigação diferente, em forma de névoa. Transformei-me e vasculhei tudo o que me foi possível. Inclusive, nesse estado percebemos com maior facilidade passagens secretas, o que não foi o caso. Pois o que precisa ser encontrado estava guardado em armários novos dentro de uma sala arrumada e limpa

    Cálices, mantos e outros elementos rituais. Alguns poster, quadros e diversos livros falando da popular Ayahuasca. Um famoso cipó, também chamado de Santo Daime, que nos últimos anos tem sido utilizado em cerimônias. A maioria delas com o objetivo de proporcionar um encontro com si mesmo, na aspiração por maior autoconhecimento.

    Ao menos é o que a maioria dos Gurus no assunto indicam. Sinceramente, não estava encontrando motivos para aquilo ser suspeito, até que em um dos crachás vi o nome da influencer.

  • Highlands – parte 2

    Highlands – parte 2

    Os dias por essas bandas longínquas são definitivamente um calmante para a alma até daqueles que não possuem mais uma. Apesar de simplória, a fazenda da Lorna e seus irmãos era linda, como em um conto de fadas, com uma cozinha que ficava nos fundos da casa, de frente para a baía e em todo resto da casa parecia que o tempo havia parado, com pequeninas aranhas saltitando pelos cantos, flores em vasos coloridos, móveis rústicos e livros que tinham tanta poeira que quase não dava mais para enxergar os títulos nas capas.

    Apesar de estar onde eu estava, por vezes e mais vezes me peguei na angústia excruciante de ligar ou mandar uma mensagem para o Fê. Não sou o tipo de “pessoa” que admiti algo com facilidade, muito pelo contrário, por muitas vezes a minha teimosia foi minha pior inimiga.

    Na minha percepção após tudo o que havia ocorrido na Ordem, eu achei que talvez meu querido vampiro quisesse um tempo distante de mim e de toda loucura que foram aquelas noites intermináveis. Mais uma vez a minha teimosia venceu e eu acabei errando pois, em uma noite tranquila enquanto os irmãos de Lorna corriam por entre os vastos campos da ilha, transformados em lobisomens, eu e Lorna decidimos que seria renovador ir até um pequeno pub (o único pub) da pacata e encantadora cidade, para ela tomar uma cerveja e eu apenas acompanhá-la.

    – Lili – disse ela sentando-se em um dos banquinhos do bar – Não veio para ficar? – Eu apenas balancei a cabeça como sinal de que eu havia vindo por um curto período e não para toda eternidade.

    – Lô minha querida amiga, não vim aqui para fincar as minhas raízes… Quer dizer, vou ficar por aqui um tempo, mas, não para sempre. – Eu sabia que minha antiga amiga adoraria que eu morasse por lá, porém, não me vejo tão isolada assim e olha que eu sou do Texas.

    – Me diz uma coisa… O vampirão lá, todo estiloso, boa pinta e tal, vale toda essa sua vontade de voltar? – O curioso é que essa pergunta nunca me foi feita, até agora e por mais que eu procure uma resposta plausível e bem formada, a única coisa que conseguiu sair dos meus lábios foi o simples:

    – Sim!

    Engraçado como é a vida, doía pensar nele, mesmo naquele momento. Aquela noite tinha sido uma linda noite.

     Agora caminhando sozinha pela longa e infinita praia de areia, após insistir para Lorna que eu não queria correr pelada pelos campos, afinal não sou uma lobisomen; sou uma vampira sendo iluminada apenas pela luz do luar, que conseguia ver o mundo mudando a quilômetros pela praia longa e plana, com o continente parecendo apenas uma linha ao longe, pensando em como ele estaria, até que eu senti o que por semanas não sentia…

    A presença inconfundível, o aroma amadeirado com limão e sangue, a única voz que não saia da minha cabeça com facilidade. Ao virar para trás, lá estava ele, calças jeans rasgadas e dobradas, camisa preta, casaco de couro e pés descalços na areia com um sorriso largo no rosto, mãos no bolso e o azul no olhar que conseguia tirar qualquer pensamento ruim da minha cabeça.

    – Pensa no trampo que tive pra vir atrás de ti nessas terras antigas, vampirinha!

    Eu havia decidido caminhar pela praia sozinha, com a certeza de que não haveria ninguém lá e quando me dei conta, eu já não estava tão sozinha naquela névoa.

    – Fê?