No inverno de 1975 meu mestre estava hibernando e eu havia ficado responsável por cuidar de boa parte de seus negócios. Era uma rotina tranquila, pois todas as empresas do clã já eram praticamente auto sustentáveis e com isso eu enfim havia conseguido um tempo livre para me dedicar a uma de minhas paixões: a arqueologia.
Nesta época inclusive eu cheguei a dar aulas de arqueologia em uma faculdade e me lembro que o Brasil desta época ainda estava imerso no regime da ditadura. Foi na verdade uma época terrível pois ouvíamos freqüentemente notícias e boatos de pessoas, ditas liberais, sendo mortos ou espancados e sem cotar as que simplesmente sumiam do nada, sem deixar rastros. Contudo, ao menos esses sumiços possuiam um lado bom e ajudavam e muito quando eu precisava me alimentar.
Outro fato curioso desta época foi a ocorrência de um fenômeno chamado geada negra, que cobriu boa parte do estado do Paraná e que aniquilou boa parte da produção de café da região. Alguns conhecidos chegaram a confabular que tal fenômeno climático poderia ser sobrenatural, porém até hoje não se sabe ao certo o que ocorreu, haja vista que fora a última vez que precipitara neve naquela região.
Foi em meio a este contexto histórico que eu retomei as buscas por um artefato místico. Alguns me diziam que ele não passava de lenda, no entanto alguns relatos pareceram-me tão reais que me senti na obrigação de saber mais sobre o tal colar de Eros. Uma jóia feita de uma liga especial chamada Alpaca ou prata alemã, formada pela junção de 3 metais conhecidos: cobre, níquel e zinco. Portanto, seu valor material era irrisório se comparado a todo poder que tal artefato poderia carregar consigo.
Dizia a lenda que um antigo rei do oriente era muito poderoso, porém desprovido de beleza e isso lhe era um problema existencial. Em função de tal dificuldade, ele passou a sua vida inteira em busca de formas de amenizar sua aflição, até que em um belo dia ele se deparou com uma bruxa que lhe ofereceu um colar mágico. A jóia custara os dois dedos mínimos das mãos do rei, além de uma quantia mórbida em ouro e de outros favores. Já em posse de tal artefato ele deveria presentear a pessoa que quisesse conquistar e esta adquiriria um amor eterno pelo nobre.
Tal lenda não mencionava se o colar chegou a ser utilizado e se realmente funcionou. Apesar disso, o que me fez ir atrás dele foi o anúncio de um possível leilão na Argentina, onde uma peça com o mesmo nome estaria entre os itens a serem vendidos.
Contratei um avião de pequeno porte para um voo noturno e algumas horas depois em meio as várias turbulências chegamos a Buenos Aires. Nesta época fazia um frio moderado, algo em torno de -5 graus e não havia praticamente nenhum ser vivo pelas ruas. Meu taxi me levou até um modesto hotel no centro da cidade e neste eu fiquei até a próxima noite me divertindo com as conversas, gritos e barulhos que vinham de fora de meu quarto escuro.
Mal o sol se fora e eu já estava aflito por conhecer a tal cidade e tão mais por ir onde seria o leilão. Mesmo no frio quase absurdo para alguns humanos, era possível ver alguns casais dançando tango pelas ruas, recheadas de construções e carros. Andar por aquele lugar me fazia lembrar da antiga Prússia e de certa forma isso me deixava mais confortável. Diferente do sentimento de desconforto que eu sempre senti em terras tropicais.
Na hora marcada eu estava pontualmente no local combinado, quando um pequeno ônibus parou a minha frente e me levou junto de outros senhores, muito bem vestidos para o local do leilão. Esta prática apesar de inusitada, era necessária, haja vista o alto controle de segurança que se fazia necessário diante tais leilões ilegais.
Alguns minutos em meio a cidade e enfim chegamos a uma região central próxima de alguns aterros que hoje foram transformados na reserva ecológica de Buenos Aires. O prédio era antigo, como vários outros naquela região e logo que descemos do ônibus fomos acompanhados até uma entrada onde havia um primeiro check-in. Apresentamos os documentos e os que não possuíam problemas como eu, eram levados até uma outra sala. Nesta cada um recebeu uma plaquinha, para que pudéssemos dar os lances e na seqüência éramos encaminhados até um salão onde eram expostas todos os artefatos que seriam leiloados.
Neste momento deixei a parte social de lado e parti diretamente para o que me interessava, indo atrás do colar de Eros. Em meio as várias peças raras haviam alguns animais, algumas armas, quadros e várias jóias. As jóias pertenciam há um único colecionador que falecera e a família havia decido leiloá-las para dividir o montante resultante. Não haviam placas com nomes sobre as peças, mas foi impossível não perceber o colar de Eros dentro de uma caixa aberta. A joia estava em ótimas condições de conservação, porem não emana nenhum tipo de energia, o que me deixara preocupado.
Tentei chamar alguém, mas não pude fazer a avaliação da peça antes do inicio dos lances. Então aguardei e tentei fazer uma social em busca de mais informações sobre o antigo colecionador que era dono da peça. Nesse momento eu já estava ficando um pouco agoniado, estava debruçado sobre uma mureta e esfregava meu bigode inconscientemente, quando surge uma bela mulher, vestida dos pés a cabeça de preto e que emanava uma forte energia sobrenatural.
Ao passar por mim ela olhou fixamente em meus olhos, obviamente havia sentido meus poderes vampíricos e antes que ela se pronunciasse eu resolvi cumprimenta-la. Pensei em lhe dar boa noite e muito rapidamente antes de se pronunciar ela ignorou o local e todos a nossa volta, utilizando a sua rapidez para se aproximar de mim.
Ela parecia circular ao meu redor como um fantasma e nas duas vezes que passou perto me disse duas palavras: “Bem-vindo vampiro”. Imediatamente depois desta cena inusitada ela estava novamente na posição do inicio. O que me fez lembrar de imediato que ela deveria estar utilizando o famoso poder “Mutatis”, no qual quem o domina pode produzir ilusões que podem ser vista por uma ou várias pessoas em específico ao mesmo tempo.
Isso obviamente não me assustou, porém era um sinal de que ela queria demarcar território. Devia ser uma viciada em leilões e isso sim me deixou preocupado, pois certamente ela iria querer as mesmas peças que eu. Praticando o popular boicote alheio, pelo simples fato de enaltecer seu próprio ego diante um outro de nossa espécie.
Dito e feito como diz o popular ditado. Iniciou-se o leilão do colar quando estávamos na metade da noite e junto com isso aquela intrigante briga de plaquinhas sendo levantadas por mim e por ela. Infelizmente fui obrigado a parar quando o lance alcançou um valor maior do que eu possuía disponível no momento . Com isso ela apenas deu um leve sorrisinho sarcástico e aguardou o final do leilão para fazer os procedimentos de pagamento e retirada.
Eu fiquei bastante frustrado com a perda da possível relíquia, e me senti na obrigação de ir falar com ela antes de ir embora. Neste momento ela estava conversando com alguns senhores, porém quando me aproximei, ela os dispensou e comentou:
– Sabia que sua curiosidade o faria vir até mim, tome, pode verificar a peça com suas próprias mãos, meu caro professor.
Nesse momento eu não sabia se ela possuia alguns poderes de invasão mental, ou se minhas vestimentas davam tão na cara que eu era professor e apesar disso resolvi matar minha curiosidade. Tomei a caixa em minhas mãos enquanto lhe disse:
– Muito perspicaz de sua parte me oferecer tal privilégio nobre senhorita. Com sua licença!
Neste momento eu verifiquei a peça, e em meio a sua beleza rara não senti nada de anormal, foi quando me lembrei dos flertes de meu mestre e de Franz e lhe disse:
– Nobre senhorita, não sei o motivo de sua compra, mas se me permite, sentir-me-ia honrado se me permitires colocar tal joia em seu pescoço.
Nesse momento sua expressão mudou um pouco, mas se mantinha fria e controlada e apenas me consentiu com a cabeça. Neste instante aproximei-me mais ainda de seu belo rosto, encostei a joia em seu formosos seios e a subi um pouco até o quanto fosse possível prende-la atrás do pescoço.
Nestes instantes enquanto ficamos próximos eu senti um pouco de seu belo perfume doce , o que me fez ficar um pouco excitado e antes mesmo de me distanciar ela levantou um pouco a cabeça e me deu um longo beijo na boca. Será que o colar havia ativado o amor eterno nela para comigo, como dizia a lenda?
Depois do belo beijo ela se afastou um pouco e com uma das mãos limpou o excesso de batom de meus lábios dizendo:
– Fugaz e despretensioso. Achou mesmo que eu não sabia que a lenda deste colar era falsa? Tens de melhorar os teus contatos doutor. Quanto ao beijo, gostei seu alemão maroto!
Depois disso ela pegou um cartão em sua bolsa e colocou no bolso da minha camisa, indo embora logo em seguida. No cartão totalmente preto havia apenas um numero de telefone do Brasil escrito em dourado.
Por duas vezes eu tentei ligar no numero, mas este sempre tocava e ninguém atendia. No entanto a última vez que tive notícias de tal dama, elas foram as piores possível… Fora ela quem assassinou meu grande companheiro de estudos Joseph, vampiro que ficou conhecido por aqui pelo apelido “Zé”…
Amplexos,
Sebastian