Os recentes acontecimentos nos Estados Unidos onde o segurança George Floyd, foi morto por asfixia pelo policial Derek Chauvin, me lembraram muito as idas e vindas junto de meu falecido amigo Joseph. “Zé”, como carinhosamente o chamávamos era um vampiro bacana, estrategista nato e como todo francês e do signo de Leão, tinha um ar debochado, que as vezes transmitia um ar de nariz empinado, mas somente a aqueles que não o eram próximos.
O fato de Joseph ser negro e um tanto acima do peso, o distanciava dos estereótipos tradicionais e isso as vezes até era visto como jocoso por nós e muitas vezes por eles mesmo que entrava nas brincadeiras para nos alegrar.
Lembro-me como se fosse hoje de uma noite qualquer em que ele usando seus poderes, resolveu sair com a aparência de um famoso local. Esse era um dos seus dons, quando por algumas horas ele podia alterar sua forma, ou até mesmo ficar invisível se fosse necessário. Isso nos permitia muitas facilidades, que nem preciso mencionar aqui…
O problema daquela noite, no qual ele se “fantasiou” de famoso é que em algum momento em nossa festinha ele estava tão empolado, que esqueceu de manter sua aparência. Voltou aos poucos a sua aparência normal, o que em certo momento, ao perceber sua real aparência causou repulsa por alguns que lá estavam. Convenhamos, sua aparência não é um mar de rosas, entretanto, como o ambiente era recheado de “frutinhas” da elite daquela cidade, eu acredito que tenha “rolado” um preconceito generalizado.
Foi difícil ver meu amigo/irmão sendo praticamente jogado para fora da balada, provavelmente a pedido de algum bostinha que tá estava. Escorraçado acho é a palavra que define aquele momento. Afinal, um dos seguranças lhe disse em claro e bom tom: “Vaza daqui! Aqui não é lugar pra você!”
Eu acompanhei a situação de meia distância, estava noutro ponto da festa, mas quando vi a cena foi ao seu encontro. Minha vontade era de fazer o maldito segurança e os “snobs” do lugar sangrarem até a morte, ali mesmo em público, mas fui contido por meu amigo. Ele ajeitou sua roupa que não era das piores, passou a mão no rosto e colou a mão em meu ombro dizendo:
– Relaxa, mon amie, Laisse tomber! já estava ficando cansado do lugar…
Como ele só misturava francês e português quando estava puto, eu não quis causar mais. Tratei de fazer uma piada qualquer e seguimos para uma praça que havia próxima aquele lugar. Aliás naquela época era comum irmos as praças, era um dos nossos principais locais de passeio, mesmo à noite.
Hora vai e vem, acredito que já estava no fim da madrugada e entre um papo e outro surgiram dois policiais. Estávamos tão distraídos que nem percebemos, mas o jeito que eles chegaram, mesmo naquela época, querendo nos enxotar do lugar como se fossemos dois plebeus vagabundos, me emputeceu.
Era nítido no olhar deles o desprezo misturado com raiva e até ódio por ter um negro ali, conversando com um branco. Era evidente que os incomodava nós dois sentados, lado a lado e ainda mais felizes. Era evidente que para eles meu irmão negro devia estar numa senzala acorrentado, como os ancestrais dele provavelmente praticavam. Era evidente para mim que eles precisavam ser punidos!
Cada um de nós pulou no pescoço de um dos policiais e nos deliciamos com aquele desjejum do fim da madrugada.
Sim, esta é aquela história clichê com vampiros se alimentado e que ocorreu há décadas. Sobretudo, não deveria ser clichê o comportamento que alguns da sociedade ainda tem em 2020 com relação a pessoas de cores, classes e comportamentos diferentes. Eu posso me defender, posso ajudar meus amigos e posso batalhar todas as noites contra isso, mas o que você tem feito nos teus dias?
Quantos casos iguais ao do Floyd a mídia precisa apresentar para que a sociedade humana entenda que todos são feitos de ideias, ossos, pele, carne e muito sangue vermelho! Vermelho da mesma cor e independentemente da cor da pele que exista por cima!